No final de maio, o governo do Estado de São Paulo anunciou a privatização de três hospitais públicos de alta complexidade: Ipiranga, Heliópolis e Darcy Vargas. Essa decisão gerou surpresa entre os profissionais de saúde, uma vez que esses hospitais estão entre os mais importantes no atendimento à população. Se a privatização avançar, a gestão desses serviços será transferida para organizações sociais (OSs).
Esse movimento de privatização não é novo. Desde os anos 80, a administração da saúde pública tem se movido em direção a esse modelo, e nos últimos anos, essa prática ganhou força. Segundo dados do Sindicato dos Médicos de São Paulo, em junho de 2025, 81% dos 42 hospitais estaduais da capital e Grande São Paulo já estão sob a responsabilidade de entidades não estatais, que se apresentam como “filantrópicas”. O governo justifica essas mudanças com a promessa de melhorar a eficiência administrativa e controlar gastos. No entanto, muitos especialistas apontam que esse modelo acaba prejudicando a qualidade do atendimento.
Um dos principais problemas desse tipo de gestão é a substituição de equipes de profissionais especializados por trabalhadores quarteirizados, que muitas vezes têm vínculos precários e condições de trabalho inadequadas. Essa prática pode levar à alta rotatividade de funcionários, resultando na perda de talentos e na falta de equipes qualificadas, o que é essencial para garantir a segurança e a eficiência no atendimento dos pacientes.
A situação se agrava ainda mais em hospitais que lidam com casos graves. A falta de uma política que valorize a capacitação e a estabilidade das equipes favorece situações inadequadas, como a contratação de médicos recém-formados, que podem não ter a experiência necessária para atender casos complicados. Isso aumenta o risco de erros, colocando em risco a segurança dos pacientes. A responsabilidade por essas falhas não deve recair apenas sobre os profissionais da saúde, mas sim sobre a gestão inadequada que prioriza a redução de custos em detrimento da qualidade do atendimento.
Um estudo feito pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo revelou que a gestão das OSs pode ser mais cara que a administração direta. Os dados mostram que os pacientes ficam mais tempo isolados nos leitos, e a taxa de mortalidade é maior em hospitais geridos por essas organizações. Além disso, os custos de manutenção desses hospitais são significativamente mais altos. Em comparação com hospitais sob gestão estatal, os custos por leito nas OSs podem ser até 17,6% superiores.
Casos durante a pandemia evidenciaram ainda mais os riscos desse modelo. Um estudo sobre a gestão de leitos de UTI do Instituto de Infectologia Emílio Ribas mostrou que a taxa de mortalidade era o dobro em leitos terceirizados comparados aos leitos próprios. Também houve um uso excessivo de tratamentos ineficazes, como a hidroxicloroquina, em UTIs geridas por organizações sociais, evidenciando falhas na supervisão clínica.
Outro ponto crítico é a precarização das condições de trabalho para os profissionais da saúde. A terceirização fragmenta as carreiras e dificulta a formação de vínculos duradouros, o que impacta negativamente a qualidade do atendimento. Estudos indicam que a gestão privada no setor público leva a uma maior rotatividade de funcionários e à diminuição da qualificação dos profissionais.
Mesmo diante dessas preocupações, o modelo de gestão por organizações sociais continua a se expandir, não só em São Paulo, mas também em outros estados como o Rio de Janeiro. O governador Tarcísio de Freitas foi convocado a comparecer a uma audiência pública no Ministério Público do Trabalho em junho para discutir a situação dos servidores concursados desses hospitais, mas não compareceu, sinalizando um desinteresse em dialogar com os trabalhadores.
É fundamental que a busca por eficiência na administração não comprometa a qualidade do atendimento. Profissionais de saúde e a sociedade civil devem exigir que a segurança dos pacientes e a qualidade da assistência sejam prioritárias em qualquer decisão que afete os serviços públicos de saúde. Afinal, a vida humana deve permanecer como o principal parâmetro nas diretrizes administrativas do setor.
