O Brasil tem um histórico marcante na história da escravidão, recebendo mais de 4 milhões de africanos escravizados ao longo de quase quatro séculos. Essa realidade deixou profundas marcas sociais, econômicas e políticas, cujos efeitos ainda são sentidos pela população negra atualmente.

    Esse legado de discriminação e marginalização se reflete em vários aspectos da vida cotidiana. Os negros muitas vezes enfrentam dificuldades no mercado de trabalho, restrições no acesso à educação e à moradia, além de serem sub-representados em posições de poder. A violência também é uma triste constante na vida desses brasileiros, resultando em um cenário devastador, especialmente na saúde mental.

    Dados do IBGE mostram que o Nordeste, onde a população negra é majoritária, apresenta um alarmante panorama: entre 2019 e 2022, 82,7% dos casos de suicídio nessa região eram de pessoas negras. Esse estudo foi conduzido pelo Observatório de Suicídio e Raça (Obsur), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e mostra que, em alguns estados, essa porcentagem chega a mais de 90%.

    O pesquisador Lucas Gomes Maciel, que colaborou na análise dos dados, destaca que o perfil mais afetado é o de homens negros adultos, embora a maioria dos casos de suicídio envolva negros em todas as idades e gêneros. Alagoas, Sergipe, Bahia e Ceará são os estados com as maiores taxas de suicídio entre a população negra.

    Lucas critica a falta de uma abordagem epidemiológica clara sobre o suicídio, apontando que esse fenômeno é tratado de forma genérica, sem considerar suas especificidades. Ele observa que, no Ceará, estado com a segunda maior taxa de suicídio entre essa população, os dados devem ser melhor qualificados para retratar adequadamente a realidade.

    A pesquisa sugere um olhar mais profundo sobre o contexto da vida das pessoas, já que fatores como racismo, violência e desigualdade socioeconômica têm um impacto significativo na saúde mental. Em 2016, o Ministério da Saúde já identificava sentimentos de inferioridade, solidão e rejeição como gatilhos para comportamentos suicidas entre negros. Atualmente, o Obsur trabalha na ampliação de estudos sobre suicídio, focando em populações negras e idosas.

    Lucas enfatiza a importância de criar políticas públicas eficazes que promovam a saúde mental e combatam o racismo, afirmando que é necessário valorizar o letramento racial e fomentar espaços de troca e coletividade.

    A psicóloga Sayonara de Freitas também faz considerações importantes sobre a saúde mental da população negra, apontando que o racismo estrutural gera uma série de violências que afetam o acesso a áreas como saúde e cultura. Ela ressalta que ter momentos de autocuidado é essencial, sendo que a saúde mental deve ser compreendida em sua totalidade, além de um foco apenas estético.

    Ela menciona que as experiências de autodestruição, como o uso de drogas e a violência, são consequências de um contexto que nega o bem-estar da população negra.

    A quilombola Marleide Nascimento, pesquisadora de saúde mental, também observa que as mulheres quilombolas são as mais afetadas nas questões de adoecimento mental, destacando a falta de políticas de saúde específicas para essa população. Ela enfatiza que é crucial conduzir pesquisas que ajudem a entender melhor a situação da saúde mental nas comunidades.

    Por fim, Math Costa Mota, estudante de Serviço Social e pesquisador, aborda a importância de considerar o contexto social das pessoas em processos de saúde mental, destacando a necessidade de um olhar atento às realidades vividas por indivíduos em situação de vulnerabilidade, especialmente nas periferias.

    As vozes de jovens do Grande Pirambu, um dos maiores projetos culturais de Fortaleza, também revelam a luta cotidiana contra o preconceito e a marginalização. Eles falam sobre a importância da cultura e da coletividade como ferramentas de resistência e recuperação da autoestima em meio a desafios socioeconômicos que afetam suas vidas.

    Essas experiências mostram que, apesar das dificuldades, a cultura e a solidariedade comunitária se destacam como caminhos para fortalecer a saúde mental e construir uma narrativa de resistência e afirmação diante das adversidades.

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