O papilomavírus humano (HPV) continua gerando um estigma que afasta muitas famílias da vacinação e impede pacientes de buscar atendimento médico, de acordo com especialistas. Essa resistência é alarmante, pois o HPV é a principal causa de cânceres de vulva e vagina. Entre janeiro e setembro de 2025, foram registradas 597 mortes relacionadas a esses tipos de câncer no Sistema Único de Saúde (SUS).

    Durante o mesmo período, o Ministério da Saúde contabilizou 16.559 atendimentos ambulatoriais e 2.161 internações por tumores vinculados ao HPV. Importante destacar que esses números representam procedimentos médicos e não a totalidade de pessoas atendidas, além de não haver informações sobre diagnósticos. Mesmo com essa realidade, o preconceito em torno do HPV ainda leva muitos a evitar procurar ajuda.

    De acordo com Caetano da Silva Cardial, oncologista da Federação Brasileira das Associações em Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), “todo tumor relacionado ao HPV carrega um preconceito significativo”. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 4,5% de todos os cânceres no mundo – o que equivale a cerca de 630 mil novos casos anuais – estão ligados a esse vírus.

    Entre 2022 e setembro de 2025, o Brasil registrou 1.964 mortes por câncer de vulva, sendo que a região Sul apresentou os maiores índices, com 400 óbitos, enquanto o Norte teve 75. São Paulo destaca-se com 521 mortes. Cardial aponta que as diferenças podem se relacionar ao acesso a tratamentos em regiões mais estruturadas.

    Nesse mesmo intervalo, 593 mortes por câncer de vagina foram reportadas, com 147 ocorrendo apenas em 2025 até setembro. A maioria dos óbitos está concentrada na região Sudeste. É importante entender as diferenças entre vulva e vagina: a vulva é a parte externa da genitália feminina, enquanto a vagina é a mucosa interna que liga a vulva ao colo do útero. Cardial acrescenta que a confusão entre esses termos é comum mundialmente.

    O câncer de vulva, considerado raro, pode ter duas principais origens: o HPV, que afeta principalmente mulheres de 45 a 55 anos, e o líquen escleroso, uma doença autoimune que costuma atingir mulheres em períodos de transição hormonal, como a fase pré-adolescente e a menopausa, com maior incidência após os 60 anos. Embora a causa do líquen escleroso não seja totalmente definida, fatores como problemas autoimunes, alterações hormonais e traumas repetidos na região podem contribuir para sua ocorrência.

    Essa doença causa coceira persistente e pode evoluir para câncer em até 60% dos casos sem tratamento. Porém, com o acompanhamento médico e o uso adequado de pomadas à base de corticoide, esse risco diminui consideravelmente.

    Os sintomas do líquen escleroso incluem coceira, feridas, úlceras, sangramentos e alterações na coloração da pele. Como esses sinais costumam se confundir com outras condições, muitas mulheres demoram a procurar tratamento, o que pode atrasar diagnósticos importantes. Tumores detectados no início, com tamanho inferior a 2 cm e sem comprometimento dos linfonodos, apresentam altas taxas de cura com cirurgia. Em estágios mais avançados, o tratamento inclui quimioterapia e radioterapia, reduzindo as chances de recuperação.

    O câncer de vagina, ainda mais raro, conta com cerca de 500 novos casos anuais no país, e 90% deles são causados pelo HPV. Esse tipo de câncer é mais comum em mulheres entre 40 e 50 anos, mas lesões que podem originá-lo podem surgir já a partir dos 30 anos. Devido à anatomia da vagina, que possui rugas e dobras, muitas vezes as lesões podem passar despercebidas. As mulheres podem não apresentar sintomas até o tumor crescer, momento em que podem surgir nódulos, dor durante relações sexuais e sangramentos fora do período menstrual.

    Em geral, tumores menores que 2 cm, localizados apenas na mucosa, podem ser tratados com cirurgia. Para tumores maiores ou mais profundos, é frequentemente necessária a combinação de radioterapia e quimioterapia, o que pode impactar mais a fertilidade e a vida sexual das pacientes, especialmente em idades mais jovens. A radioterapia pode causar complicações como ressecamento e encurtamento do canal vaginal.

    Tanto no câncer de vulva quanto no de vagina, o diagnóstico precoce é fundamental. Cardial ressalta que mulheres, especialmente aquelas em fase pós-menopausa, devem buscar atendimento médico diante de sintomas como coceira persistente, feridas, sangramentos anormais ou alterações visíveis na vulva.

    Rosana Richtmann, infectologista, destaca que o país tem avançado no rastreamento do câncer de vulva e vagina, com a inclusão de testes moleculares de HPV na rede pública de saúde. Esses testes são mais sensíveis que o exame tradicional de Papanicolau, permitindo a detecção precoce do vírus e evitando que lesões evoluam para câncer.

    A vacinação contra o HPV é considerada a principal forma de prevenção ao câncer de vulva e vagina. Segundo Richtmann, vacinar-se na juventude é ideal, pois a resposta imunológica é melhor e as chances de já ter sido exposto ao vírus são menores. A vacina quadrivalente está disponível na rede pública e protege contra os tipos 6, 11, 16 e 18, enquanto a versão nonavalente, disponível na rede privada, oferece uma cobertura ainda maior.

    Entretanto, muitas famílias hesitam em vacinar seus filhos, com a crença equivocada de que a imunização poderia estimular a vida sexual precoce. Este estigma impede que jovens procurem ajuda médica ao perceberem alterações em suas regiões íntimas, contribuindo para a continuidade do problema.

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