A Adultização Infantil e a Responsabilidade Coletiva
O tema da adultização infantil voltou a ser debatido recentemente devido à aprovação do Projeto de Lei conhecido como “ECA Digital”. Este projeto tem como objetivo aumentar a proteção de crianças e adolescentes na internet. Ele impõe obrigações às empresas de tecnologia, como a criação de mecanismos de controle parental e a limitação de acesso a conteúdos impróprios. Essa é uma medida importante, mas não resolve tudo sozinha; é essencial que haja ações práticas no cotidiano.
Apesar de parecer um problema recente, especialmente após a polêmica em torno de um vídeo do youtuber Felipe Pereira, o fenômeno da adultização infantil não é algo novo. O que mudou atualmente é a intensidade e a rapidez com que os comportamentos podem se espalhar devido às mídias digitais. Com a internet, comportamentos que antes eram vistos em círculos restritos agora podem se tornar virais em questão de segundos. A adultização não afeta apenas a aparência ou a moda; ela impacta aspectos fundamentais do desenvolvimento humano, como a saúde mental e a formação da identidade. Em casos graves, pode até colocar a integridade física das crianças em risco.
Estudos mostram que crianças que têm contato precoce com comportamentos de adultos tendem a desenvolver problemas como ansiedade, baixa autoestima e dificuldades para interagir socialmente. Além disso, de acordo com dados de uma plataforma dedicada à proteção de crianças, mais de 40% das denúncias de exploração sexual online em 2024 estavam ligadas a conteúdos postados por elas mesmas. Muitas vezes, essas crianças não têm compreensão do impacto de suas publicações.
Esse problema não é apenas individual; é uma responsabilidade que deve ser compartilhada entre famílias, escolas, plataformas digitais e o Estado. O objetivo não deve ser inibir a criatividade e a autonomia digital dos jovens, mas sim assegurar ambientes seguros e oferecer a mediação necessária. É importante perceber que saber utilizar tecnologia não significa ter a maturidade para lidar com os riscos envolvidos. Um estudo de 2022 revelou que, embora as crianças sejam “nativas digitais”, elas muitas vezes não possuem a capacidade de avaliar as consequências de suas ações.
Para as famílias, a presença ativa é fundamental. Isso envolve conversar sobre os conteúdos que as crianças consomem, explicar os riscos da internet e estabelecer regras claras para o uso das redes sociais, como horários de uso e ambientes adequados para conexão. É crucial transmitir a mensagem de que a quantidade de curtidas não define o valor pessoal e que nem todos os influenciadores representam a realidade. Uma estratégia útil é assistir a conteúdos juntos, comentando criticamente vídeos, músicas e tendências para ajudar os jovens a desenvolverem um olhar mais crítico.
As escolas também têm um papel importante nesse contexto. A inclusão de educação midiática no currículo é urgentíssima. Algumas instituições já têm criado oficinas que analisam vídeos virais, discutem padrões estéticos e explicam como funcionam os algoritmos das plataformas. Práticas que simulam a identificação de fake news e ajudam os alunos a reconhecer discursos que reforçam estereótipos prejudiciais são essenciais para prepará-los a navegar na internet com segurança e senso crítico. É fundamental treinar os professores para que possam orientar tanto os alunos quanto as famílias, criando um espaço de diálogo.
Proteger a infância é garantir que cada criança viva plenamente essa fase da vida, com saúde física e emocional, além de construir sua identidade sem pressões externas. A adultização infantil não deve ser normalizada, seja no ambiente virtual ou fora dele. Chegou a hora de transformar a indignação em ações concretas, seja por meio de políticas públicas, práticas educacionais ou escolhas do dia a dia que priorizem a infância.
Infelizmente, muitas vezes a sociedade tende a ignorar os sinais de que as crianças estão sendo forçadas a adotar comportamentos que não são adequados para sua idade. Essa adultização prematura pode resultar em riscos duradouros para a saúde emocional e psicológica das crianças. Portanto, é essencial que todos os envolvidos — pais, educadores, e responsáveis por políticas públicas — estejam sintonizados para enfrentar esse desafio.
Além disso, é importante criar um espaço onde as crianças se sintam seguras para expressar suas preocupações e dúvidas sobre o que veem e fazem na internet. Falar sobre experiências, tanto positivas quanto negativas, pode ajudá-las a entender melhor o mundo digital e suas complexidades.
As tecnologias continuam a evoluir rapidamente, e as crianças de hoje estão crescendo em um ambiente muito diferente do que os adultos vivenciaram na sua juventude. Por isso, é obrigação dos pais e educadores acompanhar essa mudança, buscando maneiras de educar e proteger as crianças sem tentar controlar estritamente suas interações digitais.
As medidas que estamos adotando agora terão um impacto significativo na formação das próximas gerações. Se quisermos garantir que nossas crianças possam se expor à tecnologia sem serem prejudicadas, precisamos investir tempo e recursos em educação e em conversas abertas. A proteção dos jovens deve ser uma prioridade em todas as esferas da sociedade.
Por fim, se todos nós — famílias, escolas e instituições — formarmos uma rede de apoio e educação, poderemos garantir que as crianças tenham experiências positivas e saudáveis na era digital, se desenvolvendo plenamente e sem a pressão da adultização precoce. Essa responsabilidade não é só de um indivíduo, mas de toda a comunidade. Juntos, podemos oferecer um futuro melhor para as crianças e adolescentes de hoje.
