Pesquisadores Desafiam Ideias Sobre Gordura no Cérebro e Doenças Neurodegenerativas

    Por muito tempo, acreditou-se que a gordura no cérebro não tinha relação com doenças neurodegenerativas. No entanto, pesquisadores da Universidade Purdue estão questionando essa ideia. Eles descobriram que o excesso de gordura nas células imunes do cérebro, chamadas microglia, prejudica a capacidade delas de combater doenças.

    Os resultados da pesquisa foram publicados na revista Immunity. Essa descoberta abre caminhos para novas terapias que podem ajudar a tratar doenças como Alzheimer, melhorando as funções das microglia e a saúde neuronal. A pesquisa foi liderada por Gaurav Chopra, professor de Química na Purdue.

    Enquanto muitos dos tratamentos para Alzheimer focam em eliminar placas de uma proteína chamada beta-amiloide e emaranhados de proteína tau, Chopra está voltando sua atenção para as células que estão muito gordurosas ao redor das áreas afetadas. Em um estudo anterior, publicado na revista Nature, Chopra e sua equipe mostraram que as astrócitos, que também ajudam os neurônios, liberam um ácido graxo que é tóxico para as células do cérebro.

    Além disso, uma colaboração com a Universidade da Pensilvânia, publicada no ano passado em Nature, também revelou que a disfunção mitocondrial nas células nervosas está relacionada a depósitos de gordura nas células gliais durante o envelhecimento, que é um fator de risco importante para neurodegeneração.

    Chopra acredita que focar diretamente nas placas ou emaranhados não resolverá o problema. Segundo ele, é essencial restaurar a função das células imunes no cérebro. O acúmulo de gordura prejudica o sistema imunológico, dificultando seu trabalho. Ao atacar esses caminhos, a equipe visa restaurar a capacidade das microglia de lutar contra doenças e manter o cérebro equilibrado.

    O time de Chopra trabalhou em parceria com a Cleveland Clinic, com o professor Dimitrios Davalos à frente. Chopra ainda é diretor do Merck-Purdue Center e membro de várias instituições em Purdue, que estudam química avançada e novas técnicas aplicadas à saúde.

    O trabalho de Chopra está alinhado com a iniciativa One Health da Purdue, que reúne pesquisas sobre saúde humana, animal e vegetal. Ele apoia o foco da iniciativa em química avançada, onde os professores da Purdue estudam sistemas químicos complexos.

    Mais de 100 anos atrás, Alois Alzheimer identificou anormalidades no cérebro de uma mulher com a doença que leva seu nome, como placas, emaranhados e células com gotas de compostos gordurosos, conhecidos como lipídios. Por muito tempo, essas gotículas lipídicas foram vistas apenas como subprodutos da doença.

    As descobertas de Chopra e sua equipe, que mostram a ligação entre doenças neurodegenerativas e as gorduras nas microglia e astrócitos, sugerem uma nova abordagem. Chopra chama esses acúmulos de gordura de “placas lipídicas”, pois não se parecem com gotas comuns.

    Ele explica que não são as gotículas lipídicas que causam problemas, mas o acúmulo delas. Acredita-se que a composição das moléculas de lipídios acumuladas nas células do cérebro é um dos principais motivos da neuroinflamação. Isso pode levar a várias condições, como o envelhecimento e o Alzheimer.

    O artigo na Immunity se concentra nas microglia, que são as verdadeiras células imunes do cérebro. Elas têm a função de limpar detritos, como proteínas mal dobradas. A equipe de Chopra analisou as microglia na presença de beta-amiloide e fez a pergunta: “O que acontece com as microglia quando entram em contato com beta-amiloide?”

    As imagens dos tecidos cerebrais de pacientes com Alzheimer mostraram que as placas de beta-amiloide estavam cercadas por microglia. As microglia mais próximas tinham o dobro de gotículas lipídicas em comparação com aquelas mais distantes. Além disso, essas microglia, que estavam sobrecarregadas, conseguiram limpar 40% menos beta-amiloide do que as microglia de cérebros saudáveis.

    Ao investigar por que as microglia estavam prejudicadas nos cérebros de pacientes com Alzheimer, a equipe usou técnicas especializadas. Descobriu-se que as microglia em contato com as placas e a inflamação gerada pela doença produzem uma quantidade excessiva de ácidos graxos livres. Normalmente, essas células usam os ácidos graxos como fonte de energia.

    Porém, a equipe observou que as microglia mais próximas das placas convertem esses ácidos graxos em triacilglicerol, uma forma armazenada de gordura. Esse acúmulo as torna sobrecarregadas e incapazes de realizar suas funções. O aumento das gotículas lipídicas se agrava com a idade e a progressão da doença de Alzheimer.

    A equipe rastreou o processo complexo que as microglia usam para converter ácidos graxos em triacilglicerol. Identificaram que altos níveis de uma enzima chamada DGAT2 eram responsáveis por essa conversão final. O que surpreendeu foi que não havia níveis igualmente altos do gene DGAT2, que precisaria ser copiado para produzir essa proteína.

    Isso acontece porque a enzima não está se degradando como deveria, e não porque está sendo produzida em excesso. Esse acúmulo de DGAT2 faz com que as microglia desviem os ácidos graxos para um armazenamento de longo prazo, ao invés de usá-los para energia ou reparo.

    Chopra explicou que a beta-amiloide é diretamente responsável por formar a gordura dentro das microglia. Devido a esses depósitos de gordura, as células microgliais se tornam disfuncionais, parando de limpar a beta-amiloide e realizando suas tarefas.

    Ainda não se sabe o que causa a persistência da enzima DGAT2. Porém, na busca por soluções, a equipe testou duas moléculas: uma que bloqueia a função da DGAT2 e outra que promove sua degradação. Reduzir essa enzima ajudou a diminuir a gordura nos cérebros, a melhorar a função das microglia e sua capacidade de remover as placas de beta-amiloide.

    Chopra destacou que, ao focar na enzima que produz gordura, e removê-la ou degradá-la, é possível restaurar a habilidade das microglia de combater doenças e manter o equilíbrio no cérebro, que é sua função natural.

    Os co-autores do estudo, Priya Prakash e Palak Manchanda, também expressaram entusiasmo com as descobertas. Eles acreditam que isso abre novas perspectivas para o entendimento de como os lipídios e os caminhos metabólicos nas células imunes do cérebro podem ser alvo de tratamentos específicos.

    Essas conexões entre o metabolismo das gorduras e a disfunção imunológica são um verdadeiro avanço na pesquisa sobre o Alzheimer. Identificar essa carga lipídica e o papel da enzima DGAT2 mostra um novo ângulo terapêutico. Ao restaurar o metabolismo das microglia, podemos potencialmente melhorar a defesa natural do cérebro contra doenças.

    Na Universidade Purdue, Chopra contou com uma equipe forte, que incluiu Prakash, Manchanda, Kanchan Bisht, Kaushik Sharma, Prageeth R. Wijewardhane, e outros. A pesquisa recebeu apoio de instituições como o Departamento de Defesa dos EUA e os Institutos Nacionais de Saúde.

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