A digitalização da saúde pública no Piauí está mudando a forma como as pessoas acessam o Sistema Único de Saúde (SUS). Com a nova tecnologia, consultas que antes exigiam longas viagens podem ser realizadas por meio de um celular ou em unidades de saúde conectadas a especialistas. Essa iniciativa, apresentada pelo governo estadual como um avanço significativo, levanta também questões sobre a relação entre médicos e pacientes, o papel dos agentes comunitários de saúde e a atenção preventiva essencial ao SUS.

    O programa Piauí Saúde Digital, liderado pelo secretário estadual de Saúde, Antônio Luiz Soares, foi criado para resolver problemas históricos que os pacientes enfrentavam. “Antes, quem morava no interior muitas vezes esperava meses por uma consulta ou exame, além de gastar tempo e dinheiro para se deslocar”, explica Soares. Desde que o aplicativo foi lançado em outubro de 2024, mais de 850 mil procedimentos já foram realizados em quase todos os 224 municípios do estado, com previsão de alcançar um milhão em breve. Exames que antes levavam meses para ser entregues agora chegam em até 30 dias, e em casos de urgência, os laudos podem ser concluídos em minutos.

    O sistema se baseia em duas abordagens principais: teleconsultas em 12 especialidades e centrais de diagnóstico que possibilitam a realização de exames localmente, com os laudos sendo enviados digitalmente. Para implementar esse novo modelo, o governo expandiu a rede de internet, equipou as unidades de saúde e treinou as equipes. O acesso a medicamentos de uso contínuo também foi facilitado por meio de uma parceria com os Correios, e um aplicativo que conecta pacientes a médicos em até 20 minutos, mesmo durante a noite, foi criado.

    Além do Piauí Saúde Digital, outras ferramentas digitais ajudam a melhorar o sistema de saúde. O portal CredSUS permite o registro e acompanhamento das demandas de saúde, resultando em uma redução de 56% nos custos com a compra de medicamentos. Outro recurso, o Gov.pi Cidadão, oferece mais de 40 serviços relacionados à saúde, como o agendamento para a retirada de remédios de alto custo.

    A modernização digital também coincide com a melhoria da infraestrutura de saúde no estado. Dirceu Campêlo, subsecretário da Saúde, destaca que hospitais de referência receberam melhorias, como novos serviços de implante de marcapasso e transplantes, além de um crescimento significativo nas cirurgias eletivas. O número de cirurgias aumentou de 19,8 mil em 2022 para mais de 30 mil previstas para 2024, com o tempo de espera caindo para 59 dias em 2025.

    No entanto, essa nova abordagem gera controvérsias. Maria Elizabeth Queiroz Fernandes, presidente do Conselho Estadual de Saúde, aponta que a falta de discussão prévia sobre o programa pode enfraquecer o controle social, fundamental para que a sociedade participe na supervisão das políticas públicas. Segundo Fernandes, embora a digitalização tenha seus pontos positivos, é importante garantir que a atenção primária, a base do SUS, não seja prejudicada.

    Além disso, o contato pessoal entre pacientes e profissionais de saúde é fundamental, especialmente para aqueles que necessitam de acompanhamento contínuo, como os portadores de HIV. A conselheira Lysmara Pinheiro enfatiza que a telemedicina pode ser inadequada em situações que demandam confiança e continuidade no tratamento.

    O professor Osmar de Oliveira Cardoso, especialista em saúde coletiva, alerta que a telemedicina deve ser uma ferramenta complementar e não uma substituta da atuação de agentes comunitários que promovem o cuidado de forma contínua e personalizada. Embora a cobertura de saúde da família no Piauí seja alta, Cardoso aponta que a qualidade do atendimento ainda precisa ser aprimorada, já que problemas como a mortalidade materna e internações por doenças evitáveis persistem.

    As críticas também se estendem à sustentabilidade do modelo. Fernandes questiona a contratação de uma empresa privada para o programa, já que o Ministério da Saúde oferece um serviço semelhante gratuitamente. O Tribunal de Contas do Estado já iniciou investigações sobre os custos envolvidos, que giram em torno de R$ 9 milhões por mês.

    Para a Secretaria da Saúde, o objetivo do Piauí Saúde Digital é ampliar o acesso a consultas e exames de maneira mais eficiente. O secretário Soares afirma que o estado foi pioneiro ao criar essa plataforma, que conecta diversas unidades de saúde e melhora a agilidade no atendimento.

    Entretanto, usuários também enfrentam desafios práticos. Pinheiro menciona que consultas com especialistas de outros estados podem resultar em prescrições de medicamentos indisponíveis na rede pública local, gerando frustrações.

    O governo continua a investir na digitalização e na formação de profissionais. Segundo dados, o Piauí hoje tem um dos menores tempos de espera para exames e consultas no país, com média de 10,8 dias. O secretário reconhece que a telemedicina não é a solução para todos os problemas, mas acredita que ela pode ajudar a diminuir desigualdades e reduzir distâncias no acesso aos serviços de saúde.

    Share.