Saúde Mental da População Negra: um Desafio Histórico
O Brasil tem uma das histórias mais profundas de escravidão, tendo recebido mais de 4 milhões de africanos escravizados, a maior parte em um período que durou quase quatro séculos. A última abolição no continente africano ocorreu em 1888. Esse passado ainda repercute fortemente na sociedade atual, afetando aspectos sociais, econômicos e políticos da população negra.
Consequências Sociais
As consequências são evidentes na realidade diária de muitos negros que enfrentam pobreza, violência e marginalização. O acesso a oportunidades de trabalho, educação e serviços básicos se mostra dificultado. Essa desigualdade se reflete também em graves problemas na saúde mental deste grupo. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o Nordeste possui uma alta proporção de população negra e que entre 2019 e 2022, 82,7% dos suicídios registrados na região envolveram pessoas negras.
Um estudo do Observatório de Suicídio e Raça (Obsur) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) evidencia que em alguns estados, a taxa de suicídio entre negros ultrapassa 90%. Os homens negros adultos são o grupo mais afetado, mas a situação é alarmante em todas as idades e gêneros.
Retratos do Suicídio
O Ceará, como o terceiro estado mais populoso do Nordeste, ocupa o segundo lugar em taxa de suicídio dessa população. A pesquisa aponta a necessidade de um olhar mais profundo sobre o fenômeno do suicídio, que ainda é tratado de forma genérica, sem um entendimento das especificidades que afetam diferentes grupos.
Lucas Maciel, psicólogo e pesquisador do Obsur, destaca que as estatísticas não refletem apenas escolhas individuais, mas sim um contexto social que está emaranhado a questões de raça e classe. Ele afirma que a falta de uniformidade nos dados sobre cor e raça nos atesta a complexidade do problema, trazendo à tona a necessidade de discutir os contextos de vulnerabilidade a que a população negra está sujeita.
Saúde Mental e Raça
O Ministério da Saúde já havia apontado que fatores como a sensação de inferioridade, rejeição e isolamento social são gatilhos para comportamentos suicidas entre pessoas negras. O Obsur busca estudar mais a fundo a saúde mental de negros e idosos em diversas regiões do país.
Lucas também fala sobre a urgência de promover políticas públicas que enfrentem o racismo estrutural e que assegurem condições adequadas de vida para essa população. Ele ressalta que o letramento racial e a promoção de espaços de troca e coletividade são fundamentais para a saúde mental.
Autocuidado e Comunidade
A psicóloga Sayonara de Freitas enfatiza a importância de entender a saúde mental da população negra dentro de um contexto interseccional. O racismo estrutural, segundo ela, gera um ciclo de negligência que afeta não apenas a saúde, mas também o lazer e as oportunidades culturais.
Sayonara salienta que é necessário ter espaços para discutir o autocuidado e fortalecer laços comunitários. Muitas vezes, as pessoas não têm tempo ou espaço para refletir sobre suas angústias, gerando um ambiente social que prejudica sua saúde mental.
Impacto nas Comunidades Quilombolas
Marleide Nascimento, pedagoga e pesquisadora, destaca a importância de pensar na saúde mental das comunidades quilombolas, que enfrentam altos índices de adoecimento mental. A falta de políticas públicas específicas é um desafio significativo para garantir que essas comunidades tenham acesso a cuidados adequados.
Ana Eugenia, também do grupo de pesquisa, aponta que as questões sociais estão intrinsecamente ligadas à saúde e que a comunidade precisa de um espaço para discutir suas realidades de forma contextualizada.
Desigualdade nas Instituições de Saúde
Math Costa Mota, estudante de Serviço Social e pesquisador de política de saúde mental antirracista, comenta sobre a pressão que as políticas neoliberais impõem. Ele aponta que a saúde mental não deve ser vista apenas por um viés individual. A realidade de quem é negro muitas vezes implica em experiências de exclusão e violência.
Ele relata que muitos pacientes internados em instituições de saúde mental no Ceará são negros e vêm de periferias. O fechamento de instituições psiquiátricas para atender essa população é alarmante. Math sugere que um olhar mais atento às condições sócioeconômicas das pessoas pode melhorar os cuidados em saúde mental.
Cultura como Projeto de Vida
Na comunidade do Grande Pirambu, em Fortaleza, artistas compartilham como a cultura e a coletividade são essenciais para a saúde mental. Roberto Vieira, um multiartista, fala sobre suas experiências com racismo e a luta para conquistar espaços na arte, refletindo a dificuldade de pertencimento enfrentada por muitos. Ele e outros artistas da comunidade destacam que, apesar das dificuldades, a cultura tem sido uma fonte de resistência e força.
Davi Lobo, também da comunidade, menciona que a cultura e a família foram fundamentais para seu processo de cura. Mesmo enfrentando desafios, ele enfatiza a importância de manter laços com a cultura e com a coletividade.
Conclusão
As experiências relatadas na saúde mental da população negra revelam um panorama complexo, onde a história e as questões sociais se entrelaçam. A falta de políticas adequadas e a necessidade de um olhar sensível em saúde mental são pontos críticos que precisam ser abordados com urgência. O fortalecimento da comunidade e o envolvimento cultural são essenciais para promover a saúde mental e o autocuidado, contribuindo assim para um futuro mais saudável e equitativo.
