As apostas esportivas online se tornaram uma febre nacional, mas o fenômeno avança de forma mais intensa entre as classes populares. Segundo uma pesquisa do Instituto Favela Diz, realizada em setembro de 2024, 70% dos moradores de favelas brasileiras afirmaram apostar com frequência em plataformas digitais, um número que acende o alerta entre economistas e educadores financeiros. O levantamento ouviu 1.352 pessoas em diferentes regiões do país e apontou que o hábito já é parte da rotina de milhões de brasileiros.
Os dados reforçam a percepção de que o mercado das bets, termo popular para se referir às apostas esportivas, tem encontrado nas comunidades um público altamente engajado, mas também vulnerável. O que antes era apenas entretenimento vem se transformando em uma questão de endividamento e impacto social, especialmente em um cenário de desemprego e renda instável.
A ascensão das bets nas periferias brasileiras
O crescimento das plataformas de apostas foi impulsionado por uma combinação de fatores: avanço da digitalização, forte presença nas redes sociais e patrocínios esportivos de grande visibilidade. Empresas do setor investem pesado em marketing e alcançam públicos que antes estavam fora do universo das finanças digitais.
De acordo com a consultoria Datahub, o número de sites e aplicativos de apostas ativos no Brasil cresceu 118% entre 2022 e 2024. O país, que ainda discute a regulação definitiva do setor, já movimenta mais de R$ 150 bilhões por ano nesse mercado, segundo estimativa da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Nas favelas, o impacto é mais direto. A pesquisa do Instituto Favela Diz revela que 52% dos apostadores utilizam parte da renda mensal para jogar, enquanto 28% recorrem a empréstimos ou vendem bens pessoais para continuar apostando. Esses números evidenciam um cenário de vulnerabilidade financeira crescente, em que o sonho de lucro rápido muitas vezes substitui o planejamento econômico.
O perfil do apostador nas comunidades
O levantamento indica que o público das bets nas favelas é majoritariamente jovem, 63% dos apostadores têm entre 18 e 34 anos, e de baixa renda. Muitos veem nas apostas uma possibilidade de complemento financeiro, ainda que as chances reais de ganho sejam pequenas.
O relatório mostra também que 74% dos entrevistados nunca receberam orientação sobre educação financeira. Isso explica, em parte, por que o jogo se torna uma alternativa recorrente: a falta de acesso a informações sobre investimentos, crédito responsável e planejamento de gastos cria terreno fértil para o risco.
Especialistas em comportamento econômico alertam que o jogo online gera um ciclo de dependência emocional. “A cada pequena vitória, o cérebro cria uma sensação de recompensa que leva à repetição do comportamento. Quando a perda vem, a tendência é buscar compensação, o que aumenta o prejuízo”, explica o economista Felipe Goulart, pesquisador da área de consumo digital.
Impactos econômicos e sociais
O avanço das apostas entre as classes mais baixas tem efeitos que vão além das finanças pessoais. O comprometimento da renda com jogos online reduz o consumo local e interfere na capacidade das famílias de arcar com despesas básicas.
Outro ponto preocupante é o uso de crédito informal para sustentar as apostas. A pesquisa aponta que um em cada cinco apostadores já recorreu a empréstimos com conhecidos ou agiotas para continuar jogando. A falta de regulamentação e de limites claros de operação agrava o problema, criando situações de endividamento severo.
O papel da educação financeira e do “Crédito do trabalhador”
Enquanto o apelo das bets cresce, especialistas defendem que políticas públicas e programas de incentivo ao planejamento financeiro sejam priorizados nas comunidades. O crédito do trabalhador, por exemplo, poderia ser melhor direcionado para apoiar microempreendedores e estimular investimentos sustentáveis, em vez de ser consumido por apostas de alto risco.
Segundo dados do Ministério do Trabalho, mais de 10 milhões de brasileiros utilizam linhas de crédito vinculadas à renda formal ou informal. O uso responsável desses recursos, aliado à educação financeira, pode gerar oportunidades reais de ascensão econômica, diferente das apostas, que raramente resultam em ganhos duradouros.
Regulação e responsabilidade das plataformas
A ausência de uma regulamentação clara sobre as apostas esportivas ainda é um obstáculo no Brasil. Em 2024, o governo federal avançou em propostas de taxação e licenciamento, mas a fiscalização sobre publicidade e práticas abusivas segue limitada.
Enquanto isso, as empresas continuam expandindo sua base de usuários, muitas vezes com campanhas voltadas para públicos de menor renda. Especialistas pedem que as plataformas adotem medidas de jogo responsável, como limites de gasto, alertas de risco e ferramentas de autoexclusão.
Estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS) já classificam o vício em apostas como um transtorno de comportamento, com impacto semelhante ao da dependência de álcool ou drogas. Sem políticas efetivas de prevenção, o problema tende a crescer.
Um desafio que exige atenção e ação coletiva
O avanço das apostas esportivas nas favelas expõe um problema que combina desigualdade social, falta de educação financeira e ausência de regulação adequada. O que começou como uma forma de entretenimento passou a representar uma ameaça silenciosa à estabilidade econômica de milhares de famílias.
Para enfrentar o cenário, será necessário um esforço conjunto entre poder público, empresas e instituições financeiras. Criar mecanismos de proteção ao consumidor, oferecer programas de conscientização e incentivar o uso saudável do dinheiro são caminhos possíveis para frear os impactos negativos.
A busca por lucro rápido pode parecer tentadora, mas a realidade mostra que o custo das bets é alto demais para quem já enfrenta desafios diários de sobrevivência. Redirecionar recursos para educação, capacitação e empreendedorismo pode ser o passo mais inteligente para transformar o jogo de azar em oportunidades reais de prosperidade.