O consumo de qualquer quantidade de álcool pode aumentar o risco de demência, segundo um grande estudo que combina dados observacionais e genéticos. A pesquisa foi publicada em uma importante revista médica.
Até mesmo o consumo leve de álcool, que antes era visto como algo positivo em algumas análises, não reduz o risco de demência, que aumenta conforme a quantidade de álcool consumido. A investigação aponta que o risco cresce junto com a quantidade ingerida.
Há uma ideia de que poderia existir uma “dose ideal” de álcool para a saúde do cérebro. No entanto, a maioria dos estudos focou em pessoas idosas e não separou ex-bebedores dos que nunca consumiram álcool. Isso dificultou entender a relação entre o consumo de álcool e a demência, como os pesquisadores destacam.
Para superar essas dificuldades e fortalecer as provas sobre o tema, os pesquisadores usaram dados de dois grandes bancos de dados biológicos em suas análises. Um deles é o Programa Million Veteran nos EUA, que inclui pessoas de várias etnias, como europeus, africanos e latino-americanos. O outro é o UK Biobank do Reino Unido, que envolve principalmente pessoas de origem europeia.
Os participantes tinham entre 56 e 72 anos quando foram recrutados. Eles foram monitorados até terem um diagnóstico de demência, morrerem ou até o último acompanhamento, que ocorreu em dezembro de 2019 para o grupo dos EUA e em janeiro de 2022 para o do Reino Unido. No total, o grupo dos EUA foi acompanhado em média por 4 anos, enquanto o do Reino Unido teve um monitoramento de 12 anos.
O consumo de álcool foi avaliado por meio de questionários, e mais de 90% dos participantes disseram que bebem. Além disso, foi utilizado um teste clínico chamado AUDIT-C, que identifica padrões de consumo de álcool perigosos, como o ato de beber em grande quantidade uma só vez.
No total, 559.559 pessoas participaram das análises observacionais. Durante o período de monitoramento, 14.540 delas desenvolveram demência de algum tipo: 10.564 no grupo dos EUA e 3.976 no grupo do Reino Unido. Também 48.034 participantes faleceram: 28.738 nos EUA e 19.296 no Reino Unido.
As análises mostraram associações em forma de “U” entre o consumo de álcool e o risco de demência. Comparando com pessoas que bebem um pouco (menos de 7 drinks por semana), aqueles que não beberam ou que eram consumidores pesados (40 ou mais drinks por semana) apresentaram um risco 41% maior. O risco aumentou para 51% entre os alcoólatras.
Os pesquisadores usaram um método genético chamado randomização mendeliana, que se baseia em dados genéticos de grandes estudos para avaliar riscos ao longo da vida. Eles analisaram dados de múltiplos estudos sobre o genoma de 2,4 milhões de pessoas para entender como o consumo de álcool se relaciona com a demência.
A randomização mendeliana aproveita dados genéticos para minimizar a influência de fatores externos, estimando os efeitos causais. O risco genético para uma característica (neste caso, o consumo de álcool) serve como um substituto para a própria característica.
Três medidas genéticas relacionadas ao uso de álcool foram usadas para estudar seu impacto no risco de demência: a quantidade de bebidas relatadas semanalmente, o consumo problemático de álcool e a dependência desse líquido.
Mais risco genético nos três níveis de consumo de álcool foi relacionado a um aumento no risco de demência, mostrando que o risco aumentava linearmente conforme a quantidade consumida. Por exemplo, adicionar 1 a 3 drinks por semana estava ligado a um aumento de 15% no risco. Além disso, dobrar o risco genético de dependência de álcool estava associado a um aumento de 16% no risco de demência.
Entretanto, não foi encontrada a relação em “U” entre consumo de álcool e demência, e não houve evidências de qualquer efeito protetor de níveis baixos de consumo. Na verdade, o risco de demência aumentou constantemente conforme o consumo de álcool previsto geneticamente aumentava.
Os pesquisadores também notaram que, antes de desenvolver demência, os indivíduos tendiam a beber menos ao longo dos anos que antecederam o diagnóstico, sugerindo que a diminuição do consumo poderia ser resultado do declínio cognitivo já em andamento. Isso pode explicar a falsa ideia de que o álcool teria efeitos protetores, conforme indicado em estudos anteriores.
Os pesquisadores reconheceram que uma limitação importante é que as associações mais significativas foram encontradas em pessoas de ascendência europeia, devido à maior participação desse grupo no estudo. Além disso, a randomização mendeliana depende de suposições que não podem ser confirmadas.
Apesar disso, eles acreditam que seus resultados desafiam a ideia de que pequenas doses de álcool são protetoras para o cérebro. Eles concluíram que seus achados apoiam a noção de que todo tipo de consumo de álcool pode aumentar o risco de demência.
Por fim, o padrão de redução do uso de álcool antes do diagnóstico de demência observado no estudo destaca a complexidade de inferir causalidade a partir de dados observacionais, especialmente em populações mais velhas. Dessa forma, os pesquisadores destacam a importância de considerar a causalidade reversa e a confusão residual nos estudos de álcool e demência, sugerindo que reduzir o consumo de álcool pode ser uma estratégia importante para prevenir a demência.