O Brasil está buscando um novo caminho para se destacar na astronomia ao digitalizar o céu, uma estratégia diferente das utilizadas por países com grandes orçamentos e locais ideais para a construção de telescópios, como o Chile e os Estados Unidos. Essa abordagem é defendida por Luiz Nicolaci, diretor-geral do Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (Linea).

    Um dos projetos que exemplificam essa estratégia é o Legacy Survey of Space and Time (LSST), que está fazendo um mapeamento detalhado do céu do hemisfério Sul, utilizando a maior câmera digital do mundo, instalada no Observatório Vera Rubin, no deserto do Atacama, no Chile. O Brasil conseguiu um lugar na colaboração desse projeto, em parte devido à sua experiência acumulada de 30 anos em levantamentos astronômicos.

    O LSST vai gerar dados fundamentais para entender mistérios do universo, como a energia escura, uma força que acelera a expansão do cosmos, e a busca por objetos do Sistema Solar que podem ter feito viagens interestelares. Contudo, a participação do Brasil nesse projeto enfrenta riscos, especialmente por problemas de financiamento.

    Nicolaci detalhou que o Brasil se envolveu na colaboração do LSST não por meio de aportes financeiros diretos, mas oferecendo contribuições em serviços. Os Estados Unidos, responsáveis pela construção do projeto, solicitaram que países parceiros contribuíssem com recursos não financeiros. O Brasil se comprometeu a duas principais contribuições: a conexão de dados entre Santiago e São Paulo, e o estabelecimento do Linea como um dos centros de dados do LSST.

    Cada imagem gerada pelo LSST tem um tamanho de 6 Gigabytes e é produzida em apenas 15 segundos. Após essa captura, a imagem é rapidamente processada na Califórnia. Qualquer alteração visível em um objeto no céu aciona um alerta para que outros telescópios possam observar em maior detalhe.

    Além da contribuição para a astronomia, o modelo de operação que o Linea está adotando tem potencial para beneficiar outras áreas de pesquisa no Brasil. Esse novo sistema de gestão de dados promete elevar a segurança e a eficiência no trato de informações científicas, um aspecto que pode ser replicado em múltiplos campos de conhecimento.

    Historicamente, o Brasil já tentou participar de projetos como o Observatório Europeu do Sul (ESO) e não conseguiu devido a limitações financeiras. No entanto, ao integrar-se ao LSST, o país poderá consolidar sua presença na vanguarda da astronomia, recebendo um acervo de dados que será utilizado por décadas.

    Para garantir a continuidade do trabalho até 2026, o Linea requer um aporte adicional de cerca de US$ 1 milhão por ano. Essa quantia é muito inferior aos recursos destinados a outras áreas da ciência, como a física de alta energia, que recebeu US$ 12 milhões. Nicolaci expressa preocupação com a escassez de financiamento para projetos de longo prazo, o que pode comprometer as iniciativas brasileiras em astronomia.

    Atualmente, 170 pesquisadores estão envolvidos com o LSST, e a falta de recursos pode resultar na perda de 120 vagas até 2026. O Linea também propôs o uso de sua infraestrutura para pesquisadores de outras áreas, oferecendo um teste de acesso a supercomputadores e armazenamento de dados. Isso pode contribuir para o avanço em pesquisa em áreas como biologia estrutural e inteligência artificial.

    Em suma, a atuação do Brasil no LSST representa uma importante oportunidade de inserção no cenário internacional de astronomia, permitindo que o país participe ativamente na exploração do cosmos. Entretanto, o sucesso desse empreendimento dependerá de garantias financeiras e da valorização adequada da ciência em território nacional.

    Share.