Em 2022, o navio de pesquisa R/V Sonne, da Alemanha, chegou ao arco frontal das Marianas, uma área de vulcões de lama e montes submarinos no Oceano Pacífico. O principal objetivo da expedição era entender um fenômeno natural chamado serpentinização, que ocorre quando a água interage com rochas. Esse processo gera energia e moléculas orgânicas, numa região onde não há luz solar e matéria orgânica disponível.

    Nas profundezas dessas zonas, onde a placa tectônica do Pacífico se afunda sob a placa das Filipinas, a serpentinização libera hidrogênio e metano, formando fontes naturais de energia química. Os cientistas esperavam encontrar uma comunidade específica de microrganismos que dependessem do metano para sobreviver em um ambiente com pH muito alto, semelhante ao de produtos de limpeza.

    Entretanto, a equipe encontrou algo inesperado. A alta alcalinidade do ambiente dificulta a preservação do DNA, então os pesquisadores utilizaram biomarcadores lipídicos, que são tipos de gorduras que compõem as membranas celulares, para identificar a vida ali. O resultado foi a descoberta de uma biosfera subterrânea rica em arqueias e bactérias que vivem em condições extremas, sendo capazes de se adaptar ao ambiente e interagir com o processo de serpentinização há milhões de anos.

    Um estudo sobre essa descoberta foi publicado na revista Communications Earth and Environment. Os resultados indicam que esses microrganismos desempenham um papel vital na regulação do clima da Terra, ao transformar compostos de carbono através de reações químicas que afetam a quantidade de gases do efeito estufa na atmosfera.

    Os micróbios encontrados são capazes de realizar quimiossíntese, um processo diferente da fotossíntese. Eles extraem energia de reações químicas entre componentes inorgânicos, como hidrogênio e dióxido de carbono, oriundos das rochas serpentinizadas, sem depender da luz solar. Essa forma de vida é como um “planeta dentro de outro”, mostrando que a vida pode existir independentemente da matéria orgânica produzida na superfície.

    O estudo sugere que ambientes semelhante em outros mundos, como em oceanos de luas como Europa e Encélado, poderiam ser habitáveis. Análises dos lipídios presentes no local ajudam a distinguir microrganismos vivos de fósseis, revelando que essas comunidades estão ativas mesmo em condições extremas.

    Os resultados também trazem à tona novas perspectivas sobre a vida em nosso próprio planeta. Os autores estimam que esses microrganismos possam representar cerca de 15% da biomassa terrestre. Futuras pesquisas focarão em entender como esses organismos surgiram, revelando mais sobre a origem da vida.

    Para a coautora do estudo, Dra. Florence Schubotz, é fascinante descobrir que a vida pode existir sob condições tão desafiadoras. Durante a expedição, o grupo não tinha certeza sobre a presença de vida funcional nos vulcões de lama das Marianas, mas a pesquisa revelou que esses organismos se aproveitam da serpentinização para manter uma biosfera ativa a grandes profundidades.

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