Glen Powell, vestido apenas com uma toalha, está suspenso a oito andares de altura na Bulgária, enquanto o diretor Edgar Wright observa do chão, tomando um espresso. O mês é fevereiro e a equipe está se apressando para finalizar as gravações de “The Running Man”, o filme mais longo, caro e gelado da carreira de Wright. Recentemente, uma nevasca atingiu a região, deixando tudo coberto de neve. Powell, que interpreta um concursante de um show de sobrevivência na adaptação de um romance distópico de Stephen King, sabia que precisava se preparar para essa cena. Seu personagem deve escapar de caçadores mortais pulando pela janela de um hotel e descendo pela lateral do prédio, vestindo praticamente nada.

    Ele brinca, dizendo que o sofrimento temporário vale a pena pela glória cinematográfica eterna.

    Wright, conhecido por seus filmes de humor peculiar e ação, como “Hot Fuzz” e “Baby Driver”, é muito detalhista ao coreografar as sequências de ação. Ele fica focado em Powell, que se segura por 30 minutos em uma cinta enquanto a câmera é reajustada. O diretor, de 51 anos, pretende homenagear as dificuldades que Bruce Willis enfrentou em “Duro de Matar”, elevando as cenas de ação a um novo nível e com menos roupas.

    As gravações na Bulgária foram muito frias, mas nada comparado ao clima na Escócia, onde o filme também foi filmado. Wright lamenta, dizendo que acreditava ter perdido a circulação nas pernas devido ao frio intenso de Glasgow. Ele se lembra de ter se coberto com várias camadas de roupas, mas mesmo assim não conseguiu se aquecer.

    Oito meses depois, Wright está mais relaxado em Nova York em um dia de clima surpreendentemente quente para o outono. Faltam cinco semanas para a estreia de “The Running Man”, que será distribuído pela Paramount. O diretor acabou de assinar autógrafos e tirar fotos com centenas de fãs durante um painel na New York Comic-Con. O evento está repleto de cosplayers, muitos dos quais se parecem com os zumbis de seu filme “Todo Mundo Quase Morto”. Enquanto isso, Wright está em um camarim silencioso, acessível apenas através de um labirinto de túneis, repleto de doces e água engarrafada para enfrentar a confusão do evento.

    O romance original de King, escrito em 1982, foi publicado muito antes da explosão das redes sociais. Ironia do destino, ele imaginou uma crítica à cultura da realidade e ao totalitarismo em um futuro próximo, especificamente em 2025. O que antes parecia uma fantasia sombria agora apresenta paralelos inquietantes com a realidade atual. Para Wright, essa adaptação oferece a oportunidade de trazer sua visão única para uma história que foi transformada em um filme de ação protagonizado por Arnold Schwarzenegger em 1987, época de seu auge.

    Na nova versão de Wright, o cenário é um mundo devastado, onde o programa mais popular dos Estados Unidos é “The Running Man”. Nesse show, a competição oferece 1 bilhão de dólares a qualquer participante que consiga sobreviver a uma caça humana que dura 30 dias. Não há prêmio para o segundo lugar, apenas uma morte brutal. Essa premissa sombria é equilibrada por uma abordagem mais humana, com uma nova representação do personagem principal, Ben Richards. Ao contrário da versão fortona de Schwarzenegger, Powell interpreta um pai lutador, que arrisca sua vida para conseguir dinheiro para o tratamento do filho doente.

    Powell comenta que as filmagens foram realizadas sob condições exigentes e à noite, o que trouxe uma sensação de brutalidade ao ambiente desejado por Wright. Antes de se comprometer com o projeto, Powell garantiu que estava preparado para qualquer desafio. Ele prometeu ao diretor que seria o ator que mais se empenharia no filme.

    Wright, que cresceu no sul da Inglaterra como filho de artistas, começou a ler Stephen King na adolescência. Ele compartilhou cópias de obras como “A Hora do Lobisomem” e “It” com o irmão. Até hoje, mantém essa coleção, com as páginas amassadas e as capas gastas.

    Wright diz que ler King foi uma experiência formativa, pois representou sua primeira imersão em material mais maduro, que mais do que terror, também trazia construções de mundos e humor. Em 2017, o diretor expressou, por meio de uma rede social, que gostaria de refazer “The Running Man”. Oito anos depois, ele teve essa chance, mas enfatiza que não vê essa versão como um remake, mas sim como uma nova adaptação que se aproxima mais do romance de King.

    Wright destaca que a versão anterior é uma obra à parte. Ele menciona que algumas produções, como “Um Punhado de Dólares”, são reinterpretações de outras obras e acredita que é interessante ver duas versões diferentes surgindo de uma mesma fonte.

    Desde sua estreia em “Todo Mundo Quase Morto”, em 2004, Wright ganhou notoriedade por sua capacidade de misturar gêneros. Ele e seus amigos Simon Pegg e Nick Frost produzem filmes icônicos que satirizam desde filmes de zumbis até aventuras de ficção científica, sempre com uma perspectiva britânica. Esse estilo cativou outros cineastas, incluindo Peter Jackson e Quentin Tarantino, que se identificaram com seu conhecimento sobre cinema.

    À medida que sua carreira avançava, Wright recebeu orçamentos mais altos, mas sua abordagem não convencional nem sempre se alinhava com os desejos da indústria. Por exemplo, seu filme “Scott Pilgrim Contra o Mundo”, embora aclamado, não obteve o sucesso esperado nas bilheteiras, apesar de ter conquistado um status cult posteriormente.

    Além disso, Wright enfrentou um revés significativo ao dedicar oito anos ao desenvolvimento de um projeto de “Homem-Formiga” para a Marvel, que não foi adiante devido a divergências criativas. Ele queria explorar uma visão ousada, mas acabou se deparando com a pressão da Disney por um filme mais seguro após o sucesso de “Os Vingadores”.

    “Baby Driver”, lançado em 2017, marcou o retorno de Wright ao sucesso, arrecadando 227 milhões de dólares e mostrando que ele podia manter seu estilo mesmo dentro das restrições de um estúdio. Por outro lado, “Last Night in Soho”, uma homenagem aos filmes de horror, não teve a repercussão esperada devido ao seu lançamento em plena pandemia.

    “The Running Man” é um retorno triunfal para o diretor, mas com um orçamento de 110 milhões de dólares, o sucesso nas bilheteiras não é garantido, especialmente em um cenário onde muitos filmes de ação voltados para adultos têm falhado. Isso se soma ao conteúdo político instável abordado no filme.

    Wright observa que a realidade se aproxima do enredo do filme, mas espera que não cheguemos a um futuro sombrio. Ele também menciona as preocupações da indústria cinematográfica com a inteligência artificial, um tema central em “The Running Man”, que analisa como a tecnologia pode manipular a opinião pública. Recentemente, houve alvoroço na indústria com a apresentação da “atriz” de IA Tilly Norwood, que promete ser a próxima Scarlett Johansson.

    Wright comenta que a IA chegou para ficar e que a criação de personagens artificiais levanta questionamentos sobre o futuro da atuação no cinema.

    Enquanto conversa, a energia de Wright revela sua empolgação com o sucesso recente no painel de “The Running Man”. Ele recorda seu primeiro Comic-Con em 2004 e como, naquela época, ele e Pegg podiam circular sem serem reconhecidos. Hoje, ele é um ícone entre os fãs de cinema. Para ele, a chave do sucesso é permanecer um verdadeiro fã. Naquela manhã, ele contatou King para garantir que poderia informar ao público que o autor gostou de sua adaptação. King respondeu que ama a nova versão, elogando sua fidelidade ao livro e suas inovações empolgantes. Wright expressa sua satisfação com essa aprovação.

    Share.