Em um diálogo que explorou a história e a identidade do sertão alagoano, o podcast “Vamos Conversar”, apresentado pela jornalista Roberta Sampaio, teve como convidado o professor e historiador Edvaldo Nascimento. Edvaldo, que nasceu em Paulo Afonso e se estabeleceu em Delmiro Gouveia, se identifica com a famosa frase do poeta Patativa do Assaré: “Eu vivo dentro do sertão e o sertão dentro de mim”. Essa conexão profunda com a terra deu o tom à entrevista, que abordou temas como a indústria pioneira da região, os desafios políticos enfrentados e trouxe uma importante novidade histórica para os ouvintes.
Pioneirismo e Educação no Sertão
Um dos pontos altos da conversa foi o resgate da figura de Delmiro Gouveia. Essa figura central é tema da dissertação de mestrado e do livro de Edvaldo, que já está em sua quinta edição. Para ele, o principal legado de Delmiro vai além das fábricas e da usina de Angiquinho; a verdadeira contribuição dele foi mostrar que os sertanejos não são a imagem de “incultura” e “preguiça” que algumas elite intelectual do litoral costumam pintar. Na realidade, eles são trabalhadores capazes de sustentar uma indústria de renome mundial.
Edvaldo detalhou o que ele chama de “projeto educativo” de Delmiro Gouveia. Em 1915, em uma pequena vila de apenas sete ruas, o coronel implementou um cinema e um ringue de patinação – luxos inimagináveis para a época. Entretanto, esses acessos eram condicionados ao desempenho escolar: “O aluno precisava apresentar suas atividades escolares até sexta-feira para poder ir ao cinema no domingo”, explicou o professor.
Esse rigor também se estendia aos pais, muitos dos quais eram operadores da Fábrica da Pedra. Se um pai falhasse em garantir a frequência escolar dos filhos, poderia receber punições que variavam de advertências a demissões, marcando uma transição cultural forçada do “mundo rural” para o “mundo industrial”, guiada pelo som do apito da fábrica.
Iniciativa Privada e Desenvolvimento Nacional
Ao expandir sua análise em busca de um doutorado, Edvaldo fez um paralelo entre a iniciativa privada de Delmiro e a chegada da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) três décadas depois. Ele explicou que a Chesf simbolizou a presença do Estado, transformando Paulo Afonso em uma referência de desenvolvimento nacional e formando, por meio de suas escolas, a elite técnica do setor elétrico brasileiro ao longo de 50 anos.
Reflexões sobre Política e Novos Projetos
Com ampla experiência na política, onde disputou cinco eleições e ocupou três mandatos como vereador, Edvaldo expressou uma certa desilusão com a política partidária, mencionando que “sua cota já foi dada”. Atualmente, ele exerce o cargo de diretor da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas (Arsal), onde coordena as áreas de gás e energia, e também investiga episódios menos conhecidos da história local.
Entre seus novos projetos, o historiador está criando um documentário sobre a resistência à ditadura militar em Pariconha. Esse projeto aborda como trabalhadores rurais e líderes nacionais que foram perseguidos tentaram organizar uma guerrilha na década de 60.
Importância da Memória da Imprensa Local
Um dos momentos mais impactantes da entrevista aconteceu quando Edvaldo anunciou que o acervo histórico da “Tribuna do Sertão” será totalmente digitalizado. Ele destacou a relevância desse veículo de comunicação: “A Tribuna do Sertão chegava onde os grandes veículos não conseguiam”, lembrando a importância de preservar a memória da imprensa alagoana para que futuras gerações de pesquisadores possam acessá-la.
A íntegra da entrevista está disponível no canal do YouTube da Tribuna Mix, oferecendo uma verdadeira aula sobre a identidade do sertão e o potencial dessa região.
