Longa Marcha: Uma Crítica ao Entretenimento e ao Sofrimento Juvenil

    O filme Longa Marcha, uma adaptação de uma obra de Stephen King sob o pseudônimo “Bachman”, retrata um futuro distópico onde o sofrimento de jovens é transformado em entretenimento. Sem elementos sobrenaturais, a narrativa explora a crueldade de um Estado que transforma a dor e a luta pela sobrevivência em um espetáculo que mantém o público fascinado.

    A história se passa em uma América alternativa nos anos 70, onde cinquenta adolescentes, um de cada estado, são forçados a participar de uma competição mortal. Eles devem caminhar incessantemente em uma estrada, mantendo uma velocidade mínima de 5 quilômetros por hora. Se caírem abaixo desse ritmo, levam avisos e, após três avisos, são executados por soldados. Essa premissa brutal lembra Jogos Vorazes, mas aqui não há flechas ou protagonistas heroicos. O foco está na experiência sensorial do cansaço, da dor física e da luta psicológica dos jovens.

    O diretor Francis Lawrence, já familiarizado com temas distópicos, traz sua experiência para dar vida a essa narrativa angustiante. O filme capta a repetição insuportável da competição, explorando o cansaço físico e mental dos participantes. A amizade entre os personagens principais, Ray Garraty e McVries, é um elemento central da história. Garraty é sensível e busca um propósito, enquanto McVries se destaca por seu otimismo teimoso. Juntos, eles simbolizam a resistência humana diante de um sistema cruel.

    Ao redor deles, outros personagens compõem um retrato moral da competição. Olson é um alívio cômico que enfrenta a dor com riso, enquanto Barkovitch representa a traição e a desumanização que o sistema impõe. Esses personagens trazem profundidade à história, mostrando que, mesmo em um cenário distópico, laços humanos se formam e a solidariedade pode surgir em situações extremas.

    A cinematografia, dirigida por Jo Williams, apresenta uma estrada poeirenta e desolada, com paisagens que refletem a decadência social. A ambientação é marcada por cidades abandonadas, igrejas vazias e uma sensação de memórias perdidas. O cenário complementa a mensagem crítica do filme sobre um país que se esqueceu de si mesmo e encontra significado na exploração do sofrimento alheio.

    Mark Hamill, que interpreta o “Mayor”, representa a voz do regime, mas sua atuação é considerada exagerada e fora do tom, contrastando com o desespero palpável do restante do filme. Embora não comprometa a obra, sua presença parece deslocada em um contexto que pede sutileza e profundidade emocional.

    Longa Marcha faz questão de mostrar o terror físico dos participantes. O filme retrata não apenas a brutalidade da competição, mas também o pânico e a pressão constantes que os jovens enfrentam. Cada tropeço pode ser a morte, e a pressão do tempo transforma a luta pela sobrevivência em um relógio mortal. O subtexto evoca referências à história, como a experiência da guerra do Vietnã, destacando a desumanização que ocorre quando jovens são empurrados para a morte sob ordens de um sistema opressor.

    No entanto, o filme enfrenta um desafio ao focar em apenas alguns personagens principais. Isso torna algumas mortes menos impactantes, já que a audiência pode ver essas perdas mais como números do que como tragédias individuais. Essa escolha narrativa também se alinha à crítica do filme sobre a desumanização promovida por um sistema que não permite empatia.

    Por fim, Longa Marcha é uma das adaptações mais fiéis à visão de King, mostrando que o verdadeiro horror não está no sobrenatural, mas na aceitação do sofrimento e da violência como parte da normalidade. Ao examinar temas sociais e políticos, o filme provoca uma reflexão profunda: afinal, o que estamos dispostos a aceitar como norma em nossa sociedade? As respostas podem ser inquietantes, mas são necessárias.

    O filme é uma obra que provoca dor não apenas física, mas também uma reflexão sobre a condição humana e a ética na sociedade contemporânea.

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