Os jovens de 15 a 29 anos representam 61,3% das internações por problemas de saúde mental no Sistema Único de Saúde (SUS), com uma taxa de 708,4 internações para cada 100 mil habitantes. Esse número é 57% maior do que o registrado entre as mulheres, que apresenta uma taxa de 450 internações por 100 mil habitantes, conforme um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgado recentemente.
A principal causa das internações de homens jovens é o abuso de substâncias psicoativas, que responde por 38,4% dos casos. Dentre esses, 68,7% estão relacionados ao uso de múltiplas drogas. Outros 13,2% dos casos envolvem cocaína e 11,5%, álcool. No total, considerando tanto homens quanto mulheres, os abusos de drogas e os transtornos esquizofrênicos estão entre os principais motivos de internação na rede pública, representando juntos 63% dos casos.
O coordenador da Agenda Jovem da Fiocruz, André Sobrinho, comenta que a situação está atrelada a fatores culturais, como normas rígidas de masculinidade, e a problemas mais amplos como a precariedade no trabalho e na educação. O fácil acesso a substâncias, a pressão por desempenho e as expectativas sociais também contribuem para o aumento de problemas de saúde mental entre a juventude.
Os dados foram coletados por equipes da Agenda Jovem e da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e abrangem informações de 2022 a 2024, utilizando as bases do SUS sobre internações, óbitos e atendimentos na Atenção Primária à Saúde (APS). Além disso, foram empregados dados do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para calcular as taxas de mortalidade e internação.
Entre homens e mulheres de 15 a 29 anos, o total de internações por problemas de saúde mental chega a 579,5 casos por 100 mil habitantes, com 262.606 registros no período. As taxas de internação são ainda mais elevadas entre as faixas etárias de 20 a 24 anos (624,8) e de 25 a 29 anos (719,7), superando a taxa de adultos acima de 30 anos, que é de 599,4.
As causas de internação na juventude incluem principalmente esquizofrenia e transtornos correlatos (31,9%), além do abuso de substâncias psicoativas (31,0%) e transtornos do humor, como depressão e ansiedade. Entre as mulheres jovens, os transtornos do humor são os mais frequentes, com 36,7% das internações, e a depressão é responsável por 61% desses casos. Esses registros estão ligados a fatores como jornadas de trabalho intensas, sobrecarga de cuidados, assédio no ambiente de trabalho e insegurança nos bairros onde vivem.
Luciane Ferrareto, pesquisadora da EPSJV/Fiocruz, destaca que os dados refletem o impacto do machismo estrutural na vida das mulheres, que desde a infância enfrentam limitações em sua autonomia e liberdade. Na vida adulta, essa carga excessiva com responsabilidades, como cuidar de filhos e de familiares, pode contribuir para o agravamento dos problemas de saúde mental, resultando em abandono escolar e perda de vínculos sociais.
O psiquiatra Dartiu Silveira, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), acredita que a pesquisa confirma observações feitas por profissionais da saúde mental. Segundo ele, jovens, especialmente os de baixa renda, estão mais vulneráveis a problemas sérios de saúde mental, frequentemente ignorados devido a preconceitos e falta de informação. Muitas vezes, a sociedade pressiona os jovens a agirem como se estivessem sempre bem, fazendo com que sintomas graves passem despercebidos.
A pesquisa também revelou que apenas 11,3% dos atendimentos na atenção primária à saúde realizados por jovens estão relacionados a problemas de saúde mental, um número que é menos da metade da média observada na população em geral, que é de 24,3%.
Para Sobrinho, os estigmas sociais ainda reduzem a visibilidade do sofrimento dos jovens, frequentemente considerado mera “frescura” pelas gerações mais velhas. Ele afirma que a nova geração está apenas expressando questões que sempre existiram e que agora requerem atenção e acolhimento.
A juventude apresenta também um maior risco de suicídio, com uma taxa de 31,2 casos por 100 mil habitantes, superando a média da população geral, que é de 24,7. Entre os povos indígenas, a situação é ainda mais alarmante, com a maior taxa de suicídios do país, que chega a 62,7 por 100 mil habitantes. Para homens indígenas de 20 a 24 anos, a taxa é de 107,9.
Sobrinho destaca que os dados sobre a população indígena revelam o impacto dos conflitos territoriais e as dificuldades de acesso a serviços de saúde apropriados em suas comunidades. Silveira acrescenta que a depressão é o principal fator de risco para suicídio, especialmente entre os jovens, onde o consumo de substâncias pode ser uma forma de automedicação para lidar com o sofrimento emocional.
Outro ponto importante é que o risco de suicídio dobra quando um jovem com depressão também faz uso abusivo de álcool ou outras drogas. Mudanças significativas de comportamento, como tristeza persistente, apatia e falta de motivação, também configuram um quadro preocupante. No caso do uso de substâncias, a frequência é um indicador crucial de alerta.
Silveira aponta que a internação se torna essencial quando há sinais de depressão grave, especialmente se há risco de suicídio, mas ressalta que é viável tratar fora do hospital quando há suporte familiar e uma rede de apoio ativa. Em situações de dependência química, ele alerta que a internação não é sempre a melhor abordagem e pode ter baixo sucesso em casos involuntários. Ele enfatiza que o tratamento ambulatorial é mais eficaz, a menos que haja severidade associada a depressão grave ou risco de suicídio.
