Microglia são as células do sistema imunológico do cérebro e têm a importante missão de proteger o órgão. Elas eliminam micróbios e removem restos celulares, como as placas associadas à doença de Alzheimer. No entanto, à medida que envelhecemos, elas também mudam. Algumas continuam operando bem, mas outras perdem sua função protetora e começam a liberar moléculas inflamatórias.
Uma dessas moléculas inflamatórias é a interleucina-12 (IL-12). Pesquisadores liderados pelo Professor Frank Heppner, do Departamento de Neuropatologia da Charité – Universitätsmedizin Berlin, e pelo Professor Nikolaus Rajewsky, do Instituto de Biologia de Sistemas Médicos de Berlim, descobriram como a IL-12 pode afetar e acelerar a demência de Alzheimer. O estudo deles, publicado na revista “Nature Aging”, pode abrir espaço para novas terapias.
Heppner comentou que, por muitos anos, a pesquisa sobre Alzheimer focou quase que totalmente nas proteínas amiloide-beta e tau, enquanto a inflamação era vista como um mero efeito colateral. Recentemente, no entanto, começaram a perceber que a inflamação pode ser uma causa importante da progressão da doença. Em 2012, seu laboratório mostrou que bloquear a IL-12 e a IL-23 diminui as alterações cerebrais relacionadas ao Alzheimer em modelos de camundongos. Contudo, não conseguiram entender os mecanismos envolvidos até então.
As células do nosso corpo usam informações genéticas para reagir a estímulos externos. Os pesquisadores utilizam análises de célula única para observar como isso acontece. Essas análises permitem verificar quais genes estão sendo ativados em milhares de células ao mesmo tempo. Contudo, um desafio é separar as células de maneira eficiente sem danificá-las. Rajewsky explicou que, em cérebros de camundongos idosos com placas de Alzheimer, as células estão muito grudadas e emaranhadas, dificultando a separação.
Sua equipe passou anos desenvolvendo uma solução. Em vez de isolar células inteiras, extraíram núcleos celulares dos tecidos cerebrais e analisaram o RNA presente em cada célula. Comparando com dados disponíveis publicamente, conseguiram garantir que seu método refletisse a diversidade celular. Para esta pesquisa, sequenciaram RNA de mais de 80 mil núcleos celulares, criando fluxos de trabalho especializados para processar os dados. Também conseguiram reconstruir a comunicação entre as células.
IL-12, que anteriormente era mais conhecida por sua relação com doenças autoimunes, parece ser crucial na progressão do Alzheimer. Ela danifica dois tipos principais de células cerebrais: os oligodendrócitos maduros e os interneurônios. Os oligodendrócitos produzem mielina, uma camada que isola as fibras nervosas, essencial para a transmissão rápida dos sinais. Já os interneurônios são importantes para a cognição e a memória. Quando a IL-12 se liga aos interneurônios, causa sua morte. Assim, as microglia que produzem mais IL-12 acabam danificando mais células cerebrais.
Para confirmar esse mecanismo, os pesquisadores testaram em camundongos e em tecidos humanos. Quando bloquearam a IL-12 em culturas e modelos de camundongos, as mudanças relacionadas à doença foram controladas. Microscópios eletrônicos mostraram como a estrutura da mielina e a densidade das fibras nervosas mudavam de acordo com a presença ou ausência da sinalização da IL-12. Análises de lipídios também confirmaram as alterações na composição da camada isolante. O estudo de tecidos de autópsia de pacientes com Alzheimer reforçou as descobertas: quanto mais avançada a doença, mais IL-12 estava presente.
Os pesquisadores agora possuem um entendimento detalhado desse mecanismo, e a única dúvida remanescente é qual tipo celular a IL-12 ataca primeiro: os oligodendrócitos, os interneurônios ou os dois ao mesmo tempo. Esse estudo tem implicações imediatas, pois já existem medicamentos no mercado que bloqueiam a IL-12. Eles esperam que médicos se baseiem em suas descobertas para iniciar testes clínicos. Se esses medicamentos se mostrarem eficazes, serão uma nova opção no tratamento do Alzheimer, que não tem apenas uma única causa.
O sistema imunológico é um fator que pode influenciar a doença em alguns pacientes. Reduzir a neurodegeneração pode exigir terapias combinadas. Uma abordagem assim poderia ser útil desde os estágios iniciais da doença, já que a IL-12 pode ser medida no sangue ou no líquido cefalorraquidiano.
Além disso, as equipes estão explorando uma nova hipótese: será que microplásticos no cérebro estão fazendo com que as microglia produzam IL-12? Rajewsky sugere que a resposta do organismo aos microplásticos pode estar desencadeando reações inflamatórias. Se confirmado, isso poderia conectar fatores ambientais a doenças comuns. Embora essa hipótese ainda precise ser provada, ambos os grupos de pesquisa consideram isso uma direção interessante para investigações futuras.
