Girolamo Savonarola: O Monge Que Quis Queimá-Los

    Florença é uma cidade que evoca arte, poder e beleza. Berço do Renascimento, lá viveram mestres como da Vinci, Michelangelo e Botticelli. Porém, um homem viu toda essa grandiosidade e desejou sua destruição: Girolamo Savonarola.

    Considerado por alguns um profeta e por outros um fanático, Savonarola era um frade dominicano que pregava o asceticismo e incentivava os florentinos amantes do luxo a queimarem seus tesouros. Em pouco tempo, ele conseguiu transformar a hedonista Florença em uma teocracia sob seu controle, mas isso não durou. Ele acabou se tornando alvo da Igreja Católica, que o excomungou e, em 1498, o executou de forma brutal.

    As Raízes de Savonarola em Florença

    Savonarola nasceu em 21 de setembro de 1452, em Ferrara, Itália. Ele chegou ao mundo de ideias ricas e humanistas do Renascimento, mas não se deixou contagiar por elas. Em 1472, já escrevia um tratado chamado “Sobre o Desprezo pelo Mundo”. Três anos depois, abandonou a casa da família para entrar na Ordem Dominicana em Bolonha, onde lecionou Escritura.

    Em 1482, Savonarola foi enviado ao Convento de San Marco, em Florença, e logo começou a atrair seguidores com seus discursos fervorosos. Ele baseava suas pregações no Livro do Apocalipse, falando sobre um novo dilúvio bíblico and previu a morte de Lorenzo de Médici, o governante da época, e do Papa Inocêncio VIII. Ele ainda alertou que um invasor cruzaria os Alpes e atacaria a Itália.

    Estranhamente, algumas previsões de Savonarola se concretizaram. Tanto Lorenzo quanto o Papa faleceram em 1492, e em 1494, o Rei Carlos VIII da França invadiu a Itália, fazendo os Médici fugirem.

    A Transformação de Florença em uma República Cristã

    Nesse vácuo de poder, Savonarola viu uma oportunidade de transformar Florença em uma nova república cristã. Embora não ocupasse cargos políticos, sua influência era enorme. Muitos florentinos viam-no como um salvador, apoiando suas iniciativas, que incluíam alimentar os necessitados, reduzir o desemprego e baixar impostos.

    Porém, suas ações geravam preocupações. Savonarola utilizava a Bíblia para criar leis, desaprovava piadas, poemas e o sexo, e cancelou festas populares. Seu extremismo foi tão forte que, segundo relatos, até Sandro Botticelli se sentiu compelido a queimar algumas de suas obras (menos sua famosa “Nascimento de Vênus”).

    Um processo semelhante ao da juventude de Hitler também ocorreu em Florença. Savonarola organizou jovens pobres em uma espécie de exército, encarregando-os de vigiar a cidade e garantir que as regras fossem seguidas.

    O ponto culminante foi a famosa “Queima das Vaidades” em 7 de fevereiro de 1497. Na Praça da Signoria, ele fez uma enorme fogueira onde exigiu que os florentinos entregassem objetos associados ao “vício”. Relatos diziam que os meninos coletaram “imagens lascivas, chapéus de mulher, espelhos, perucas, bonecas, perfumes, cartas de jogo e até instrumentos musicais”.

    Esses itens foram jogados na fogueira, que queimou intensamente, enquanto os espectadores assistiam ao espetáculo com uma mistura de medo e alegria.

    A Executação Brutal de Savonarola

    Conforme Savonarola ganhava mais poder, a Igreja Católica, liderada pelo Papa Alexandre VI, se tornava cada vez mais hostil à sua figura. Eles se incomodaram com suas críticas ao luxo dentro da Igreja e tentaram silenciá-lo de várias maneiras, incluindo tentativas de compra de sua lealdade. Quando Alexandre tentou oferecer a Savonarola um cargo de cardeal, ele recusou com desdém, dizendo que queria “um chapéu de sangue”, em referência ao martírio.

    Ao afirmar ser um mensageiro de Deus, Savonarola selou seu destino. O Papa decidiu agir e o excomungou. Em abril de 1498, foi preso.

    Savonarola foi brutalmente torturado, fez uma confissão e logo depois se retratou. No entanto, ele foi condenado à morte junto com dois de seus seguidores mais leais, sendo enforcados sobre uma fogueira.

    Em 23 de maio de 1498, uma multidão se reuniu na Praça da Signoria para o julgamento. Um bispo tirou a roupa de Savonarola e informou sua separação da igreja, ao que ele respondeu que essa era uma decisão impossível para o religioso.

    Quando um sacerdote perguntou como ele se sentia prestes a morrer, Savonarola teria dito: “O Senhor sofreu tanto por mim.” Ele foi obrigado a assistir à morte de seus companheiros antes de ser enforcado.

    Enquanto as chamas dançavam ao seu redor, alguém na multidão gritou: “Se você pode fazer milagres, faça um agora!”. Por um momento, a mão do frade ergueu-se, parecendo dar uma bênção. Isso gerou pânico entre as pessoas, que correram em desespero.

    Após sua morte, alguns ainda viam Savonarola como uma figura admirável. Niccolò Machiavelli, por exemplo, escreveu sobre ele, embora também apontasse suas falhas. Contudo, Savonarola não ficou conhecido como um salvador ou um santo, mas sim como o homem que teria queimado a rica história de Florença em busca de seus ideais.

    Essa história nos faz refletir sobre os limites da ética e do extremo em nome da fé e da moral. Savonarola buscava uma Florença melhor, mas seu caminho o levou à destruição e à morte, trazendo à tona a complexidade entre moralidade e fanatismo.

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