Nos últimos dez anos, Pernambuco enfrentou duas epidemias significativas: a da zika e a da covid-19. Desde 2020, um estudo tem sido realizado para investigar os impactos dessas epidemias na saúde reprodutiva das mulheres no estado. A pesquisa, chamada DeCode Zika e Covid (DZC), visa entrevistar mais de 2 mil mulheres, com idades entre 23 e 39 anos, de diferentes regiões do Grande Recife.

    A DZC é financiada pela Universidade da Pensilvânia e liderada pela demógrafa Letícia Marteleto, com coordenação no Brasil pela socióloga Ana Paula Portella. A pesquisa surgiu inicialmente em resposta à crise de microcefalia que afetou mulheres grávidas durante a epidemia de zika. Com a chegada da pandemia de covid-19, a equipe decidiu adaptar o estudo para incluir também esta nova condição e outras arboviroses, analisando como essas crises de saúde pública influenciam as decisões sobre reprodução e o acesso a serviços de saúde.

    Durante a pandemia, o Sistema Único de Saúde (SUS) passou por grandes mudanças, o que pode ter levado à escassez de contraceptivos e à dificuldade de atendimento médico para procedimentos importantes, como o uso de implantes hormonais. O medo de sair de casa e o fechamento de postos de saúde impactaram negativamente o uso de métodos contraceptivos, resultando em um aumento do risco de gestações indesejadas entre as mulheres pernambucanas. O estudo também avalia o que aconteceu com essas gestações inesperadas e quais foram as decisões tomadas pelas mulheres em relação a elas.

    A DZC é considerada o maior estudo em painel focado em mulheres na América Latina. Este tipo de pesquisa acompanha o mesmo grupo de participantes ao longo do tempo. Desde o início da coleta de dados em 2020, a pesquisa tem planos de continuar até 2029. Para garantir a representatividade, a equipe realiza um processo de renovação dos participantes, que pode envolver a troca de um número de mulheres que não estão mais disponíveis ou interessadas em participar.

    Atualmente, a pesquisa está na quarta onda de coleta de dados. Além de continuar acompanhando as mulheres participantes desde o início do estudo, uma nova amostra de 2.400 mulheres está sendo entrevistada. A partir da quinta onda, as duas amostras se integrarão em um único grupo.

    Em relação à coleta de dados, a equipe tem enfrentado desafios, especialmente em condomínios verticais, onde síndicos e porteiros têm barrado a entrada dos pesquisadores. Para facilitar o acesso, a equipe tem enviado cartas, visitado os prédios para dialogar com síndicos e disponibilizado informações para transmitir segurança aos moradores sobre o estudo. As entrevistadoras têm crachás que trazem seu nome e foto, além de cartas de apresentação da universidade, e um QR Code que permite verificar a autenticidade da pesquisa. Essa etapa de entrevistas seguirá até dezembro do ano corrente.

    Embora os resultados finais da pesquisa sejam esperados apenas em 2029, até agora já foram publicados 18 artigos abordando os impactos da pandemia na saúde reprodutiva. Um dos artigos analisou como a perda de renda durante a pandemia afetou a decisão das mulheres sobre ter filhos. A conclusão apontou que mulheres que não eram mães estavam mais inclinadas a engravidar, independentemente da perda de renda, enquanto aquelas que já tinham filhos apresentaram diversas reações dependendo de sua situação econômica.

    Os dados mostram que mães que sofreram perdas financeiras estavam mais propensas a adiar ou desistir de ter mais filhos. A pesquisa revela que mães de duas ou três crianças, que também enfrentaram a perda de renda, frequentemente optaram por não ter mais filhos. Todos os artigos já publicados estão disponíveis online, mas apenas em inglês.

    O objetivo da pesquisa é contribuir para a formulação de políticas públicas que promovam a saúde reprodutiva das mulheres e possam servir como referência em futuras crises de saúde. Mais informações sobre o estudo, que visa abordar as questões enfrentadas pelas mulheres em períodos de epidemias, podem ser encontradas no site do projeto.

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