Maria José Duarte Diniz, de 53 anos, recebeu uma notícia alarmante enquanto lutava contra o câncer de mama: seu plano de saúde seria cancelado em 60 dias. O tratamento, que começou no ano passado, estava em um momento crítico, e a possibilidade de perder a cobertura deixou Maria José apavorada. “Fiquei desesperada. Como seria possível ir para o SUS enquanto estou em quimioterapia? Eu não poderia interromper meu tratamento”, relatou.

    Beneficiária de um plano coletivo da Hapvida NotreDame Intermédica, Maria José passou dias tentando entender o motivo do cancelamento. “As pessoas na operadora não sabiam explicar. Falavam em ‘reestruturação interna’. Foi uma falta de consideração”, afirmou. Diante da situação, ela decidiu recorrer à Justiça e conseguiu uma liminar para suspender o cancelamento. No entanto, mesmo com a decisão, o problema persistiu: na data marcada para sua sessão de imunoterapia, o plano ainda aparecia como cancelado.

    Outro paciente, Mauro Irizawa, de 71 anos, enfrentou uma situação similar com a mesma operadora. Ele está em tratamento contra câncer de pulmão e, após uma cirurgia, iniciou um tratamento de quimioterapia oral, que custa cerca de R$ 33 mil mensais. No final de outubro, o filho de Mauro recebeu um email notificando o cancelamento do plano coletivo que cobre os dois. “Meu pai está em tratamento contínuo e eles sabem disso”, disse Ian Irizawa, seu filho. Também entraram com uma ação judicial e obtiveram uma liminar, mas os problemas persistiram: “O plano continua cancelado”, relatou Ian.

    Na quarta-feira, uma resposta da operadora veio após a reportagem sobre os casos. Eles comunicaram que os contratos de ambos os pacientes estavam ativos e que não havia interrupção nos tratamentos. A empresa disse ainda que está em contato direto com as partes envolvidas para garantir a assistência necessária.

    Entretanto, os episódios enfrentados por Maria José e Mauro não são únicos. Diversos usuários de planos de saúde têm relatos de cancelamentos, negativas de tratamentos e descredenciamento de serviços, especialmente no contexto do câncer.

    De acordo com informações da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), as queixas relacionadas ao câncer aumentaram significativamente nos últimos anos, passando de 3.391 em 2020 para 9.693 em 2025. As reclamações sobre cancelamentos unilaterais na mesma faixa de tempo também aumentaram, de 75 para 188 em 2025.

    A ANS esclarece que as queixas são inicialmente baseadas em relatos dos beneficiários, e cada caso é analisado individualmente. Além disso, a agência serve como intermediária em conflitos entre beneficiários e operadoras.

    Um relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) indicou que, entre 2014 e 2025, foram registradas mais de 123 mil ações contra planos de saúde. Essas ações, na sua maioria, envolvem tratamentos e remédios, com os casos oncológicos representando uma parte significativa. A legislação proíbe que planos de saúde cancelem contratos de pacientes em tratamento oncológico, uma vez que, na prática, isso equivale a uma internação prolongada.

    A advogada Renata Vilhena, do escritório Vilhena Silva Advogados, destacou a preocupação com o aumento de cancelamentos logo após o diagnóstico. “Isso ocorre para evitar custos elevados com esses pacientes”, explicou. Diante desse cenário, o Judiciário tem sido acionado com frequência, resultando em uma taxa de sucesso de 87% para ações que mantêm o plano durante o tratamento oncológico.

    Conforme a ANS, os planos de saúde contratados coletivamente podem ser cancelados após um ano de vigência, mas devem seguir regras específicas. O cancelamento de um beneficiário é permitido apenas em casos de fraude ou inadimplência, e a seleção de risco, como a exclusão por doença, é proibida.

    Um estudo mostrou que, entre 2020 e 2024, o número de ações contra planos de saúde aumentou em 112%, resultando em novos processos a cada minuto e 45 segundos. Esses litígios custaram ao setor 17,1 bilhões de reais entre 2019 e 2023, enquanto a movimentação total do setor em 2024 chegou a 350 bilhões de reais.

    Bruno Sobral, da Federação Nacional de Saúde Suplementar, atribui esse aumento à mudança nas regulamentações de 2022, que ampliou interpretações sobre coberturas. Neste contexto, o setor enfrenta desafios com tratamentos oncológicos de alto custo e a disparidade de informações entre médicos e operadoras.

    A judicialização desse tema enfrenta ainda outro obstáculo: o descumprimento de ordens judiciais por parte das operadoras. Renata Vilhena alertou que muitos planos ignoram liminares que pedem a reativação de contratos, obrigando beneficiários a recorrer a medidas drásticas para fazer valer seus direitos.

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