Entre 2020 e 2023, o número de ações judiciais relacionadas a planos de saúde aumentou 64%, saltando de 145,3 mil para 238,6 mil processos, de acordo com o relatório Justiça em Números 2024, do Conselho Nacional de Justiça. Em contrapartida, a Notificação de Intermediação Preliminar (NIP), que é um mecanismo da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) voltado para a resolução rápida de conflitos, manteve uma taxa de resolutividade superior a 90%.
Esse cenário pode parecer contraditório: como a NIP, que resolve a maioria das questões, não freia o aumento das ações judiciais? A explicação se dá pela natureza dos conflitos que ocorrem na saúde suplementar. A NIP tem sido utilizada principalmente para resolver problemas operacionais, como questões de autorizações, atualizações cadastrais e falhas de comunicação entre as operadoras de saúde, beneficiários e prestadores de serviços.
Entretanto, os litígios que envolvem tratamentos não cobertos pelo Rol da ANS, interpretação de contratos e pedidos de indenização por danos morais não são resolvidos por esse mecanismo. Assim, observa-se que a judicialização não está crescendo apesar da NIP, mas junto dela.
Um exemplo dessa dinâmica é quando beneficiários buscam tratamentos multidisciplinares não previstos na lista da ANS. Nesses casos, as pessoas acionam a NIP e, ao mesmo tempo, entram com ações judiciais para garantir a cobertura e pedir indenização por danos morais. Isso acontece porque a NIP não cobre questões financeiras, o que faz com que a via judicial se mantenha necessária.
A economia comportamental ajuda a entender por que esse caminho paralelo ocorre. Muitas pessoas, diante de urgências de saúde e informações incompletas, optam por utilizar “o canal mais claro” disponível. A NIP serve como um ponto de partida para organizar a situação, mas não encerra o conflito. Existe, inclusive, um movimento de “redundância protetiva”, onde beneficiários acionam simultaneamente o Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC), a NIP e o Judiciário para garantir que terão resposta de alguma forma.
Além disso, a estrutura jurídica é um fator importante. O Superior Tribunal de Justiça está revisando casos que determinam se a recusa indevida de cobertura gera automaticamente dano moral, reforçando que, atualmente, o principal debate envolve indenizações e normas contratuais, não apenas questões operacionais. Isso mostra que a NIP não é projetada para abordar os aspectos subjetivos, como dor e sofrimento, que exigem uma análise mais detalhada.
A coexistência de uma alta taxa de resolução administrativa e um aumento nas ações judiciais não é uma anomalia, mas sim uma característica do sistema de saúde suplementar. A NIP é eficaz para organizar o fluxo de informações e resolver problemas procedimentais, enquanto o Judiciário lida com questões que requerem interpretações mais complexas da lei.
Ao invés de pensar que a NIP deveria reduzir a judicialização, seria mais apropriado vê-la como uma forma de filtragem e organização dos conflitos. Para melhorar essa situação, seriam necessárias três ações: integrar dados entre a ANS e o CNJ para entender a origem e a resolução dos litígios; estabelecer diretrizes claras que diferenciem conflitos operacionais de controvérsias mais estruturais; e promover uma melhor informação para beneficiários e prestadores, diminuindo assim a necessidade de múltiplas reclamações devido à incerteza.
A tendência é que a judicialização continue crescendo enquanto as disputas normativas e indenizatórias forem excluídas do espaço administrativo. Embora a alta taxa de resolução da NIP seja positiva, isso não resolve as questões estruturais, mas sim serve como um instrumento para organizar e gerenciar os conflitos, que inevitavelmente chegarão ao Judiciário.
