Nas últimas semanas, ocorreram três eventos que destacam as tensões entre a Europa e os Estados Unidos, especialmente durante a administração de Donald Trump. Essas situações refletem a subversão da ordem política europeia, pressões sobre os líderes europeus e ameaças à integridade territorial do continente.

    Um dos episódios mais significativos ocorreu quando o vice-presidente JD Vance, nos Estados Unidos, fez declarações sobre a França e o Reino Unido. Ele argumentou que esses países, por possuírem armas nucleares, estariam em risco de serem dominados por ideias que considera moralmente destrutivas, associando isso a um possível “risco islâmico”. Vance sugeriu que, se isso acontecesse, essas armas poderiam se voltar contra os Estados Unidos, o que levantou preocupações sobre a lógica por trás de suas afirmações. Muitos consideram essa ideia absurda, pois as democracias liberais não teriam interesse em atacar Washington. Além disso, na estratégia de segurança nacional dos EUA, há uma notável falta de menção à Rússia como uma ameaça à segurança americana, o que indica uma prioridade ideológica bem definida.

    Em outro momento, o governo americano impôs restrições de visto ao ex-comissário europeu Thierry Breton, que, enquanto ocupava o cargo, teria defendido regras para responsabilizar plataformas digitais sobre discursos de ódio. Essa ação parece refletir uma colaboração entre setores de tecnologia e interesses políticos em promover a polarização e discursos agressivos. Políticos europeus, preocupados, começam a entender que podem enfrentar represálias semelhantes se se opuserem aos interesses das grandes empresas tecnológicas americanas.

    O terceiro episódio foi uma tentativa inusitada de Donald Trump, que nomeou o governador da Louisiana, Jeff Landry, como seu enviado especial para a Gronelândia. Durante um evento social, Landry expressou o desejo de tornar a Gronelândia parte dos Estados Unidos, ignorando o fato de que esse território é dinamarquês. Essa situação é vista como menos séria quando comparada às ameaças da Rússia à Ucrânia ou da China em relação a Taiwan, pois não parece haver uma lógica ou justificativa por trás dessa pretensão territorial.

    Desde 2019, a União Europeia classificou a China como um “parceiro, competidor e rival sistêmico”. Esse reconhecimento das complexidades nas relações com a China surge da necessidade de cooperação em questões internas, como mudanças climáticas e estabilidade global. No entanto, ao mesmo tempo, a China é vista como um competidor em economia e tecnologia, além de um rival que promove formas de governo contrárias à democracia.

    Esse raciocínio pode ser aplicado à administração de Trump, e o resultado não é favorável para os Estados Unidos. A atual abordagem mostra que, ao contrário de desejar uma parceria com a Europa em temas como meio ambiente ou preservação da ordem internacional, a administração americana age como um competidor econômico que busca prejudicar a economia europeia, especialmente no setor tecnológico, ao mesmo tempo que tenta moldar legislações adequadas a seus próprios interesses.

    A Europa, assim como os Estados Unidos, está atenta à influência negativa da China em várias regiões do mundo. Contudo, agora, além do desafio da China, os Estados Unidos também promovem forças políticas que vão de encontro à ordem democrática e liberal europeia.

    Se considerarmos as ações que subvertem a política europeia e as pressões exercidas sobre os líderes do continente, fica claro que há uma rivalidade sistêmica em jogo.

    Diante desse cenário, a Europa precisa encontrar uma forma de responder de maneira eficaz, sem busca por vingança, mas com uma postura firme. A cultura e a proximidade que existem entre a Europa e os EUA devem ser preservadas, apesar das diferenças. A relação entre eles tem sido afetada pela prioridade dada à situação na Ucrânia e pela tentativa de limitar a influência de Trump, que mantém relações com Putin. Agora, é essencial que os líderes europeus elaborem estratégias que vão além da segurança, abordando questões como regulamentação digital, comércio internacional e investimentos na economia local. Como a história irá avaliar a resposta da Europa a esses desafios ficará claro nos próximos meses.

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