Financiamento do SUS: Desafios e Dependência de Emendas Parlamentares
O financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) no país está em uma fase crítica, marcada por intensas disputas políticas e orçamentárias. As emendas parlamentares, que antes eram um complemento para o investimento em saúde, tornaram-se uma parte importante e significativa do orçamento da saúde pública. Este fenômeno foi discutido em um seminário realizado no início de dezembro em Brasília, promovido por especialistas e conselheiros da saúde.
O seminário alertou sobre a crescente dependência das emendas, que pode prejudicar o planejamento adequado do SUS. Especialistas apontaram que a política de financiamento está desconectada do planejamento sanitário, tornando-se refém de interesses políticos e de uma lógica de corte de gastos. Lenir Santos, uma das especialistas presentes, destacou que essa fragilidade não é nova; desde 1978, quando foi lançada a Declaração de Alma-Ata, o país busca um orçamento adequado para a saúde.
A Constituição de 1988 prometia que 30% do orçamento da seguridade social fosse destinado à saúde, mas na prática, muitos recursos foram desviados para outras áreas, como assistência social e educação, gerando crises de pagamento na rede de saúde desde então. O economista Francisco Funcia ressaltou que, embora as políticas de saúde tenham sido descentralizadas, a arrecadação de impostos permanece centralizada, criando um cenário em que 69% da arrecadação vem de impostos federais, 25% de estaduais e apenas 6% de municipais.
Essa centralização financeira afeta diretamente as prefeituras, que precisam de recursos do governo federal para manter seus serviços. Funcia argumentou que essa carência financeira tem levado prefeitos a dependerem das emendas parlamentares para o funcionamento básico de seus sistemas de saúde.
Os dados do seminário indicam uma mudança drástica no orçamento federal para a saúde. Até 2013, as emendas parlamentares correspondiam a apenas 0,8% do orçamento do Ministério da Saúde. Hoje, esse número subiu para 12%. Entre 2014 e 2022, enquanto o orçamento global da saúde cresceu 1,7 vezes, as emendas aumentaram em 5,7 vezes.
O problema não está apenas na quantidade de recursos, mas na forma como são gastos. Muitas emendas não seguem o planejamento técnico estabelecido nas comissões de saúde, resultando em alocação de verbas sem critérios claros, o que gera desperdício e ineficiência. As decisões sobre onde destinar os recursos passam a ser influenciadas mais por interesses políticos do que por necessidades de saúde.
A Emenda Constitucional 95, aprovada em 2016, também teve um impacto negativo. Ela limitou os gastos públicos, subtraindo aproximadamente R$70 bilhões do SUS entre 2018 e 2022 e transformando o que deveria ser um piso para investimentos em saúde em um teto de gastos. Isso trouxe novos desafios legais, e o Judiciário começou a intervir para garantir a transparência na aplicação das emendas.
A juíza Amanda Costa, que atua no Supremo Tribunal Federal, explicou que o Judiciário reconheceu que a solução para as questões relacionadas ao SUS exige medidas contínuas e testadas, garantindo a transparência do uso do dinheiro público. Todas as transferências feitas por emendas na área da saúde agora devem contar com a verificação prévia das autoridades de saúde.
Outro aspecto importante é a mudança no uso das emendas. Historicamente, os recursos eram direcionados para investimentos em saúde, mas atualmente, uma grande parte deles tem sido usada para pagar despesas correntes, como salários, o que preocupa especialistas por comprometer a sustentabilidade financeira dos municípios.
Diante desse cenário, a vigilância é crucial. Gestores e conselheiros de saúde precisam analisar os relatórios de gestão para assegurar que o dinheiro proveniente das emendas seja empregado de maneira correta. O debate sobre o financiamento do SUS não é apenas uma questão de números, mas também uma questão política e social.
Além disso, a luta pelo financiamento do SUS está ligada a uma disputa histórica entre capital e trabalho. O desinvestimento na saúde afeta desproporcionalmente a população negra, que representa uma parte significativa dos usuários do sistema público. As críticas à eficiência do SUS são vistas como um veículo para tentar abrir o caminho para a privatização e mercantilização da saúde.
Para o futuro, o desafio é mobilizar a sociedade e promover um financiamento justo, que não seja comprometido por dívidas públicas ou restrições fiscais.
