Financiamento do SUS e a Dependência das Emendas Parlamentares: Um Desafio para a Saúde Pública
O Sistema Único de Saúde (SUS) enfrenta uma grave crise, marcada por disputas políticas e orçamentárias que ameaçam sua sustentabilidade. Nos últimos anos, as emendas parlamentares tornaram-se uma parte significativa do orçamento da saúde, o que traz implicações diretas para o planejamento e a gestão desse sistema essencial.
Em um seminário realizado em Brasília no dia 3 de dezembro, especialistas, juristas e economistas discutiram o impacto das emendas no financiamento do SUS. Durante o encontro, ficou claro que a dependência de recursos provenientes de emendas parlamentares, criadas para complementar investimentos, tem afetado negativamente o planejamento sanitário do país. Os participantes ressaltaram que a política de financiamento tornou-se refém de uma lógica de austeridade fiscal e de interesses políticos, fragilizando o direito à saúde.
Lenir Santos, especialista em direito sanitário, lembrou que a luta por um orçamento adequado para a saúde pública no Brasil começou com a Declaração de Alma-Ata em 1978 e continuou com a Constituição Federal de 1988, que estabeleceu que 30% do orçamento da Seguridade Social deveria ser destinado à saúde. No entanto, na prática, recursos foram desviados para outras áreas, gerando crises financeiras e dificultando o funcionamento do sistema.
Francisco Funcia, economista e consultor do Conselho Nacional de Saúde (CNS), destacou que, apesar da descentralização das políticas públicas promovida pela Constituição, a arrecadação de tributos permanece centralizada. Atualmente, a maior parte da receita tributária (69%) vem da esfera federal, com apenas 18% dos recursos destinados aos municípios, o que resulta em uma grande dependência financeira desses órgãos em relação à União.
Os números apresentados no seminário revelam uma mudança significativa na distribuição do orçamento da saúde. As emendas parlamentares representavam apenas 0,8% do orçamento do Ministério da Saúde até 2013, mas esse número subiu para 12% atualmente. Entre 2014 e 2022, enquanto o orçamento geral da saúde cresceu 1,7 vezes, o valor das emendas aumentou impressionantes 5,7 vezes, passando de R$ 15 bilhões em 2023 para quase R$ 25 bilhões em 2024.
Contudo, o volume crescente de recursos não é o único problema. A análise critica a qualidade do gasto, já que muitas emendas não se alinham com os planos de gestão e as necessidades de saúde. Isso resulta em investimentos inadequados e desperdício de recursos, uma vez que as verbas são muitas vezes direcionadas para regiões onde há maior influência política, ignorando as prioridades sanitárias.
Além disso, a Emenda Constitucional 95, que instituiu um teto de gastos, retirou cerca de R$ 70 bilhões do SUS entre 2018 e 2022. Essa medida resultou em competições por recursos cada vez mais agressivas. No contexto atual, mudanças nas normas permitiram que emendas fossem utilizadas para custear despesas recorrentes e pagamento de pessoal, o que preocupa, já que esses recursos deveriam ser utilizados para investimentos estruturais.
A juíza Amanda Costa, do Supremo Tribunal Federal (STF), mencionou a importância de garantir a transparência e a rastreabilidade do uso dos recursos. As novas medidas implementadas visam assegurar que as transferências relacionadas a emendas sejam avaliadas e aprovadas adequadamente.
A destinação das emendas também mudou, com 90% dos recursos agora sendo utilizados para despesas correntes, ao invés de investimentos em infraestrutura, como construção de unidades e aquisição de equipamentos. Essa alteração na utilização do dinheiro público pode comprometer a saúde financeira dos municípios a longo prazo.
Diante dessa situação, o conselho e os gestores de saúde estão sendo chamados a desempenhar um papel ativo na fiscalização e validação do uso dos recursos. É um momento importante para discutir o controle do orçamento público e buscar alternativas que não comprometam o bem comum.
O debate sobre o financiamento do SUS é uma questão política e social crítica. O desfinanciamento do sistema de saúde tem repercussões diretas nas populações mais vulneráveis, uma realidade que se agrava com a falta de investimentos adequados.
Assim, a luta por um SUS forte e bem financiado continua, exigindo mobilização da sociedade para garantir que o direito à saúde seja respeitado, e que o sistema não seja utilizado como moeda de troca política.
