Financiamento do SUS Enfrenta Desafios e Dependência de Emendas Parlamentares
O Sistema Único de Saúde (SUS) está passando por um momento delicado em relação ao seu financiamento, enfrentando disputas políticas e orçamentárias. A dependência de emendas parlamentares, que deveriam ser um mecanismo adicional de investimento, tornou-se crucial para o orçamento da saúde pública na última década.
Recentemente, conselheiros de saúde, juristas e economistas se reuniram em Brasília para discutir o impacto dessas emendas no SUS. O seminário “Financiamento e impacto das emendas parlamentares no SUS” destacou que a política de financiamento está desconectada do planejamento sanitário, tornando-se vulnerável a interesses políticos. Os participantes alertaram que essa situação fragiliza o direito à saúde e à vida.
Lenir Santos, especialista em direito sanitário, lembrou que desde a Declaração de Alma-Ata, em 1978, o Brasil luta por um orçamento adequado para as políticas de saúde. Apesar dos avanços trazidos pela Constituição Federal de 1988, como a destinação de 30% do orçamento da Seguridade Social para a saúde, na prática, muitos recursos foram desviados para outras áreas, criando um cenário de crise.
Essa crise é piorada pela estrutura tributária do país, que mantém a arrecadação centralizada. Aproximadamente 69% dos impostos arrecadados são de tributos federais, enquanto apenas 25% são estaduais e 6% municipais. Mesmo com transferências de recursos, 57% do total ainda fica no nível federal, limitando o financiamento das prefeituras, que dependem de repasses para manter sistemas de saúde locais.
A dependência das emendas parlamentares aumentou devido à escassez de recursos. Para conseguir manutenção do sistema de saúde, prefeitos buscam apoio de parlamentares, criando uma relação de dependência. Estudos mostram que, até 2013, as emendas representavam apenas 0,8% do orçamento do Ministério da Saúde. Hoje, esse número saltou para 12%, evidenciando uma mudança significativa que afeta o planejamento nacional.
A análise entre 2014 e 2022 revela que o orçamento da saúde cresceu 1,7 vezes, enquanto o valor das emendas aumentou 5,7 vezes. Em termos financeiros, a execução de emendas no Ministério da Saúde subiu de R$ 15 bilhões em 2023 para quase R$ 25 bilhões em 2024, um aumento de mais de 60% em um único ano.
Contudo, o volume de recursos não é o principal problema; a qualidade do gasto também é uma questão crucial. As emendas, especialmente as individuais, frequentemente não se alinham com a gestão e planejamento da saúde, resultando em um uso ineficiente dos recursos. As decisões sobre o investimento em saúde, que deveriam ser baseadas em critérios técnicos, muitas vezes são influenciadas por questões políticas.
Além disso, a Emenda Constitucional 95, que estabelece um teto de gastos, retirou cerca de R$ 70 bilhões do SUS entre 2018 e 2022, complicando ainda mais o cenário financeiro. Uma nova discussão judicial, através da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, reconheceu a necessidade de intervenções para garantir a rastreabilidade do dinheiro público e a eficiência dos gastos.
Um tema que gera tensão entre os poderes é a destinação das emendas, agora muitas vezes utilizadas para custeio e pagamento de pessoal. O Tribunal de Contas da União flexibilizou o uso de emendas para essas finalidades, o que pode comprometer a sustentabilidade fiscal a longo prazo.
Apesar dos desafios, os gestores de saúde têm a oportunidade de melhorar a aplicação dos recursos. A exigência de contas específicas para cada emenda e a auditoria sobre recursos sem identificação são passos importantes. As discussões atuais reforçam a necessidade de um financiamento justo que não comprometa a saúde da população.
O debate sobre o financiamento do SUS é, portanto, não apenas econômico, mas também político e social. Representantes de movimentos sociais destacam que a falta de investimento na saúde afeta desproporcionalmente a população negra, que representa uma parte significativa dos usuários do SUS.
Assim, a luta pelo financiamento do SUS precisa ser uma prioridade, considerando os aspectos que envolvem a justiça social e o direito à saúde. Mobilizações para a 18ª Conferência Nacional de Saúde se tornam essenciais para garantir que o financiamento da saúde pública não seja colocado em segundo plano frente a interesses políticos.
