Uma nova vacina que pode combater bactérias responsáveis por até 200 milhões de infecções infantis a cada ano pode estar a caminho, de acordo com especialistas. Essa é uma esperança real no combate a doenças que afetam crianças em todo o mundo.

    Um grupo internacional de pesquisa, incluindo instituições de renome, analisou amostras do genoma da bactéria Haemophilus influenzae (H. influenzae), coletadas entre 1962 e 2023. Essa bactéria causa várias infecções tratadas com antibióticos, mas, curiosamente, não causa gripe, apesar do seu nome.

    Os pesquisadores publicaram suas descobertas em uma revista científica, onde revelaram que a H. influenzae apresenta uma resistência considerável aos antibióticos. Algumas cepas dessa bactéria são resistentes a praticamente todos os tipos de antibióticos disponíveis, o que levanta preocupações sobre a necessidade urgente de monitorização global desse microorganismo.

    O estudo revelou que as amostras de H. influenzae de diferentes partes do mundo mostraram pouca variação genética. Isso sugere que seria possível desenvolver uma vacina universal que abrange características comuns dessa bactéria. Alguns candidatos a vacina já foram identificados, e essa pesquisa abre portas para novas descobertas.

    Atualmente, existe uma vacina eficaz para a cepa tipo b da H. influenzae (Hib), que causa doenças graves como meningite infantil. Porém, essa vacina não é eficaz contra outras cepas da mesma bactéria.

    Um dos principais problemas é a cepa não tipável da H. influenzae (NTHi), que é a principal responsável por infecções de ouvido em crianças. Estima-se que ocorrem cerca de 175 milhões de casos desse tipo de infecção a cada ano. Além disso, essa bactéria pode causar sinusite, conjuntivite e pneumonia.

    A pneumonia é uma doença grave que pode causar danos permanentes aos pulmões. Essa condição é especialmente preocupante entre crianças pequenas que vivem em países com poucos recursos.

    Os cientistas do Sanger Institute e seus colaboradores foram os primeiros a realizar um sequenciamento de genoma em larga escala da H. influenzae, focando especialmente em populações vulneráveis, como as que vivem na fronteira entre Tailândia e Mianmar. Eles sequenciaram amostras de crianças em um acampamento de pessoas deslocadas na Tailândia, resultando em 4.474 genomas. Esses dados foram combinados com outras 5.976 amostras já publicadas, proporcionando uma visão geral sobre a evolução e a epidemiologia dessa bactéria.

    No acampamento de Maela, mais de 95% das amostras de H. influenzae associadas à pneumonia eram da cepa NTHi. Isso mostra a eficiência dessa bactéria em causar doenças, superando tanto a Hib quanto outras cepas, mesmo em uma população que não recebeu vacinas contra Hib. Os pesquisadores não encontraram variantes genéticas da NTHi que fossem mais comuns em casos de pneumonia, indicando que todas têm a mesma capacidade de causar doenças graves.

    A resistência a múltiplos medicamentos (MDR) foi amplamente observada nas amostras da NTHi em Maela e também em outras partes do mundo. A análise global mostrou que H. influenzae não possui linhagens específicas de países ou regiões, ao contrário de outras bactérias que causam doenças respiratórias.

    Embora a H. influenzae apresente um alto nível de recombinação genética, a variação total em seu genoma é baixa. Isso pode ser um sinal de seleção negativa, onde mudanças genéticas desfavoráveis são eliminadas ao longo do tempo. Essas características são promissoras para o desenvolvimento de vacinas no futuro.

    Doutor Neil MacAlasdair, um dos autores do estudo, afirmou que o sequenciamento genômico em grande escala ajuda a identificar padrões de populações que antes eram difíceis de perceber. Ao analisar quase dez mil amostras de H. influenzae, a equipe começou a entender melhor a diversidade genética dessa bactéria em relação à cepa para a qual há vacina.

    Ele destacou que, apesar da alta taxa de recombinação, existem processos evolutivos que preservam a maior parte do genoma da bactéria. Conhecer melhor essas seções conservadas pode ser a chave para desenvolver uma vacina eficaz que proteja contra todas as cepas da H. influenzae, ajudando a diminuir a dependência de antibióticos de amplo espectro.

    A doutora Anna Pöntinen, outra co-autora da pesquisa, mencionou que o estudo demonstrou que não existem populações isoladas de H. influenzae em diferentes regiões, o que é uma boa notícia. Se houvesse muitas variantes locais, o desenvolvimento de uma vacina seria mais complicado.

    Os resultados reforçam a hipótese original dos pesquisadores: é possível criar uma vacina universal para proteger contra todas as infecções causadas pelo Haemophilus.

    O professor Paul Turner, coautor sênior do estudo, destacou que infecções de ouvido são uma das principais razões pela quais antibióticos são prescritos a crianças. E a H. influenzae se destaca como uma das principais responsáveis por isso.

    A resistência a antibióticos nessas cepas bacterianas é um problema crescente, observado tanto na análise genética quanto nas práticas clínicas. Em algumas regiões do mundo, restou apenas um antibiótico eficaz para tratar infecções. Portanto, buscar novas estratégias, como vacinas, é crucial para garantir que todos estejam protegidos contra infecções e resistência a medicamentos.

    O professor Jukka Corander, coautor sênior da pesquisa, enfatizou que o estudo representa um avanço significativo na compreensão da epidemiologia e evolução da H. influenzae. Ele salientou que infecções resistentes a tratamentos não têm fronteiras, sendo um problema global que precisa ser monitorado em escala internacional.

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